As facilidades do mundo digital para edições econômicas de livros vêm acrescentando um novo e precioso instrumento à memória histórica de diferentes países. Trata-se de obras, , que narram suas experiências de vida, lembranças de família e observações que retratam o momento histórico pela visão do cidadão comum. A estes têm se somado publicações narrando a experiência de servidores ou agregados de estadistas. O livro do guarda-costas de Fidel Castro por anos, e que fugiu para os EUA, se constitui em peça importante para se conhecer a realidade cubana e a personalidade do Comandante. E as mordomias gozadas em Cuba por Gabriel Garcia Márquez, tratado com champanhe francês no país que racionava ovos.
Em Portugal, o singelo relato de Micas, a sobrinha de D. Maria, governanta de Salazar, não deixa de ter sua importância na avaliação da figura humana do estadista. Estes depoimentos, mesmo que com pequenas edições, acabam ficando por gerações nas famílias, mantendo vivas as experiências e vivências do passado, valorizando a tradição e os legados de gerações. E se tornam preciosas fontes para pesquisadores, que encontram depoimentos outros que não dos personagens da vida pública ou intelectual, sempre passíveis de conterem uma versão com base na paixão política, religiosa ou ideológica. São depoimentos de muita sinceridade e mostrando facetas comportamentais nas famílias, dentro da realidade de cada época.
Portugal certamente encontrará nesses livros informações preciosas referente às implicações nas famílias do 25 de Abril. Não apenas nas memórias de grandes empresários, com o Profissão Exilado, de Manuel Vinhas, a biografia Patrick Monteiro de Barros – Uma Vida à Bolina, de Jorge Almeida, e o excelente Casas Contadas, de Leonor Xavier, que retrata com fidelidade a vida sofrida, mas digna, da burguesia aristocrática que teve de buscar asilo no Brasil. Há também obras singelas como os livros de Luiza Bobone, que narra sua vida em Moçambique, acompanhando o marido, João Bobone, que dirigia importante empresa multinacional no cultivo do chá e do coco, morando no interior do país, convivendo com seu povo. No segundo livro, narra fatos relacionados às importantes famílias portuguesas das quais descende, como Pinto Basto – fundadores da internacionalmente conhecida Vista Alegre, Roque de Pinho, Alto Mearim e Briffa –, e à reconstrução de sua vida na volta à metrópole, onde foi ser professora e prestar voluntariado em hospitais de Lisboa. Esta experiência vai rechear seu próximo livro, pelo convívio com centenas de pessoas e famílias em momento de dor.
Nessa narrativa, fato implícito é que, naquela região tão pobre de Moçambique, se plantava chá e quase dois milhões de coqueiros, com a melhor tecnologia da época, empregando centenas de trabalhadores e, hoje, nada se produz ali. Em Casas Contadas, Leonor narra sua vida de dona de casa e mãe, sem criticar o movimento que a levou a acompanhar o marido no exílio, mas é claro que tantas famílias dignas, honradas com história de trabalho, não iriam deixar seu país não vivesse este um momento de perseguições, confiscos de bens, prisões arbitrárias. No fundo, estas narrativas insuspeitas vão permitir que a história venha registrar que, se ficarmos em termos de ditaduras, Portugal trocou seis por meia duzia. Democracia foi expulsar os capitães vermelhos do poder. O que foi feito pelos “arrependidos” do 25 como Mário Soares, António de Spínola, Balsemão e outros.