Foi a partir de uma obra de ficção publicada em 1858 que se criou, mais de meio século depois do livro, o mito do “artista genial mutilado e mulato”. A “descoberta” do “gênio” – sem data de nascimento, mas com certidão de óbito, de recibos contestados, de livros desaparecidos, de obras feitas mais de 20 anos após sua suposta morte – foi alimentada por interesses políticos e comerciais, sem conexão entre si.
Surgiu no momento em que o Brasil vivia a fase do “mulatismo” como afirmação da raça brasileira, mistura de portugueses, índios e negros. Deu-se, então, lugar de destaque a um personagem que nunca foi referido por seus contemporâneos – embora outros mestres negros e pardos fossem reconhecidos e consagrados pelo que fizeram. O patrimônio artístico e arquitetônico do Brasil colonial, não só em Minas, mas também na Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, era de origem europeia (português, especialmente), no tempo de D. José e da fase do ouro no Brasil.
Os “nacionalistas” usaram da invenção do Aleijadinho para exaltar o mulato e para ofuscar Portugal no formidável conjunto das igrejas, semelhantes às portuguesas e das mesmas devoções , no traço e nos santos entalhados. Aí, sim, com forte presença de brasileiros artesãos , inclusive nomes consagrados e reconhecidos, como Manoel da Costa Ataíde, que era negro e atuou em Minas como no,Rio de Janeiro.
A exploração comercial ficou por conta de espertos comerciantes de São Paulo. Estes, vendo o movimento, trataram de “arranjar” obras do genial mulato mutilado para dar padrão cultural e financeiro aos “novos ricos” paulistas, muitos italianos que desenvolveram a cafeicultura de São Paulo para o mundo.
Depois de adotado pelos nacionalistas dos anos vinte a quarenta, isso foi aproveitado pelas esquerdas para exaltar o brasileiro sem vínculo com o mundo ocidental. E fizeram do artista que não existiu um bom negócio, promovendo eventos, com bons patrocínios financeiros.
Em 2008, a conceituada professora e escritora Guiomar de Grammont rompeu o silêncio sobre o tema com um livro já de referência sobre o assunto, com a autoridade de ser ela mesma uma militante de esquerda. A obra, Aleijadinho e o Aeroplano: O paraíso barroco e a construção do herói colonial, levanta claramente a possibilidade da não existência ou que ele tivesse sido um entre muitos e coloca o dedo nas contradições sobre o que já foi publicado.
Agora, surge pelo estudo de outra respeitada professora de história da Universidade de Ouro Preto, a jovem Camila Kézia Ferreira, livro sobre as polêmicas, do fecundo historiador mineiro Augusto de Lima Júnior, em que a negação do artista criado pela imaginação de um autor é ponto alto. Também com a autoridade de ser de esquerda, Camila registra que os maiores nomes da historiografia de Minas apoiaram o alerta de Lima Júnior. Eram eles: Salomão de Vasconcellos, Waldemar de Almeida Barbosa e Victor Figueira, alinhados na Revista de História e Arte, que criaram para a defesa de fatos baseados em documentos e depoimentos, e não nas posições ideológicas de momento. E cita outros nomes respeitados, como Feu de Carvalho e Oyama Ramalho – este com um belo livro sobre o assunto, editado em Portugal.
Aliás, a história de Aleijadinho nunca foi levada a sério fora desses círculos brasileiros, justamente por não ter base documental ou testemunhal. Como é que poderia ter existido personalidade tão importante, presente em centenas de obras, e nunca ninguém a ele se referiu?
Mesmo assim, nos anos 1960, o francês Germain Bazin, do Louvre, foi ao Brasil por dez dias e se considerou capaz de afirmar que o Aleijadinho era um gênio. Em contrapartida, recentemente, um artista que reproduz santos das igrejas de Minas viu um trabalho seu aparecer numa exposição como sendo do Aleijadinho.
Acreditar nessa história agora, portanto, só mesmo por má-fé.Por ignorância desde sempre.