Um dos maiores mitos da história do Brasil foi a existência do escultor denominado Aleijadinho. E isso é fruto de um livro publicado 50 anos depois da suposta morte do personagem, que ficou outro meio século no esquecimento e foi requentado nas primeiras décadas do século passado.
Curiosamente, o objetivo dos que vieram a exaltar o gênio, mutilado, mestiço, nada tinha com a pretensa arte, mas, sim, com a sua raça e origem de filho de mãe escrava com um português, nascido em Ouro Preto. Naqueles anos do limiar do século XX, surgiu um movimento, em que o poeta Olavo Bilac era um dos líderes, para exaltar os brasileiros afrodescendentes. Pelo visto, na ausência de um artista, se fabricou um e com apelos evidentes. O que, inclusive, se fazia desnecessário, pois um artesão notável na época, com obras confirmadas e origem conhecida, Manuel da Costa Athayde era negro, assim como outros tantos no Rio, Minas, Pernambuco e Bahia, onde estão as igrejas mais ricas e bonitas do Brasil, construídas nos séculos XVIII e XIX.
Na verdade, a grande maioria das igrejas tinha plantas oriundas de Portugal e, como demorou a surgir o uso da fotografia, das viagens e da Internet, não se percebia bem a semelhança. A presença da mão de obra brasileira foi um fato, com artesãos excepcionais. No entanto, esta é uma característica brasileira, consagrada hoje na indústria automobilística, onde a versatilidade do operário no manuseio de robôs é elogiada pelas multinacionais do setor.
Outra evidência da pouca criatividade de Rodrigo Bretas, autor do livro que traça o perfil do suposto artista – e de seu descendente Rodrigo Bretas Mello Franco, que a requentou setenta e tantos anos depois –, foi criar o personagem com marcas na literatura mundial. Faz lembrar o Quasimodo, de 1831, de Victor Hugo, e, antes A Bela e a Fera, originalmente de 1740. Enfim, uma criação que passou a fazer a alegria financeira dos “autenticadores” de obras de Aleijadinho, no mercado de São Paulo, onde o que sobra de dinheiro falta de cultura.
No mais, os grandes intelectuais de Ouro Preto da época, pequena vila, como Claudio Manoel da Costa e Tomás Antonio Gonzaga, nunca se referiu ao mítico personagem. Vale ressaltar que ignorá-lo seria quase impossível devido ao volume da obra, cartas, depoimentos e presença na cidade dos dois citados..
Por fim, para os que gostam do tema, há historiadores de valor que colocam em sérias dúvidas a existência do tal artista. Eles estão entre os mais conceituados de Minas Gerais, desde os principais, dos anos 1940 –1960- Lima Junior, Salomão de Vasconcellos, Victor Magalhães Figueira e Waldemar de Almeida Barbosa –, aos mais jovens. Entres eles, Dalton Sala, que pesquisou muito em Portugal, Guiomar de Gramont, autora de um livro sobre o tema de muito sucesso, e do respeitado jornalista Mário Sergio Conti, que, recentemente, fez comentário sobre o assunto, publicado no jornal Folha de S. Paulo.
O Aleijadinho virou mesmo uma bandeira dos nacionalistas, dos que vivem do sentimentalismo das culpas pela escravidão – fato usual na mesma época em toda a América – e, claro, dos comerciantes pouco ortodoxos de obra de arte. Afinal, seu valor comercial e conceito artístico nunca atravessaram as fronteiras do país.
Aristóteles Drummond – Jornal O Diabo Portugal /Lisboa – 29-5-2018
[…] https://aristotelesdrummond.com.br/artigos/aleijadinho-o-artista-que-nunca-existiu/ […]