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Nestes tempos em que a classe política é tão cobrada pelo nepotismo, apadrinhamentos, nomeações de parentes, atendimento a financiadores, convém lembrar de que o uso do poder para premiar ou conquistar aliados vem de longe. Pode ter sofrido alterações naturais pela evolução do mundo, dos hábitos e conceitos. E muitas vezes tem legitimidade e são justas.
Uma análise dos anos de D. João VI no Brasil registra curiosidades no que toca as retribuições do monarca a diferentes atenções que a Corte Real mereceu de portugueses que vieram, de ingleses da escolta marítima, portugueses já radicados no Brasil, ou mesmo já nascidos na então colônia. Na época, éramos todos portugueses
Ainda na Bahia, onde ficou pouco tempo, já distribuiu bom número de medalhas e comendas, chamando a atenção pela quantidade. No Rio, então, a Família Real recebeu maiores atenções, a começar pela doação da melhor casa da cidade para residência oficial, hoje Museu Nacional e a Quinta da Boavista, onde está o Jardim Zoológico. O negociante Elias Antônio Lopes doou a casa e se tornou Conselheiro do Reino, e a mulher foi agraciada com o título de baronesa de São Salvador dos Campos.
Títulos mesmo de nobreza D. João VI deu após ser proclamado Rei de Portugal, Brasil e Algarves, em 1818, mas com registros de que, entre comendas e títulos de baixa nobreza e, depois, títulos mesmo seriam quase dois mil. As críticas das cortes de Lisboa e até dos exilados em Londres foram grandes. Mas fora da realidade vivida pelo monarca. Afinal, teve de instalar a comitiva que veio com ele, organizar o Estado, criar instituições. Muitos dos agraciados, por exemplo, foram os que subscreveram ações do Banco do Brasil, fundado na ocasião e outros comerciantes e mesmo produtores rurais que fizeram doações para a Casa Real.
Também coube a D. João VI criar ordens honoríficas para agraciar estrangeiros, especialmente aliados ingleses, que muito ajudaram na criação do Estado brasileiro, ma ocupação da Guiana Francesa.
Como o Erário era pobre, as honrarias serviam para retribuir a lealdade e os serviços prestados pela sociedade de então. Como estes títulos foram dados no tempo do Reino Unido, muitos estão lembrados por descendentes de titulados até hoje.
Um século depois, com muitos países adotando a República, os títulos foram substituídos pela nomeação de notários, para funções bem remuneradas no serviço público e até concessões para empreendimentos comerciais ou financeiros. A política do estadista, que em boa hora está sendo reconhecido, certamente custou menos do que as generosidades republicanas nos dois lados do Atlântico.
Alguns países não possuem ordens honoríficas, como os EUA e Israel, perdendo este poder de sedução para outros, como Inglaterra, França, Espanha e Portugal, que retribuem serviços prestados com honrarias legítimas. Hoje, o uso político é reduzido. No Brasil, existe o mau hábito de se agraciar com as ordens militares e a de Rio Branco, da diplomacia, os ocupantes de altas funções de governo, muitos não merecedores.
Quanto aos títulos por mais de uma geração, não diferem muito dos mandatos parlamentares de hoje, muitos em segunda e terceira geração. No Brasil, um quinto dos parlamentares são descendentes de políticos ou eleitos em função do exercício de cargos nos governos de livre nomeação.
Fazer política, com mais ou menos democracia, pede realmente que se agregue apoios na sociedade em geral, sendo que muitos aspiram poder, outros, honrarias e, infelizmente, alguns mais pragmáticos preferem a retribuição em espécie via privilégios e a corrupção.
Publicado em: Jornal Diabo.pt 16/03/24