Rachel de Queiroz foi a primeira mulher a entrar na Academia Brasileira de Letras. Foi também a primeira mulher brasileira a ganhar o Prêmio Camões, o maior luso-brasileiro, em que cada ano o premiado é de um dos países irmãos. A vida de Rachel merece um livro. Mas ela se negou a escrever uma autobiografia ou um livro de memórias, o que chamava de “streptease”.
Seu primeiro livro foi aos 20 anos, O Quinze, que logo fez sucesso e abriu caminho para a vida de romancista e jornalista atuante até morrer, aos 93 anos. Foi comunista na mocidade e apoiou o movimento de 64 no Brasil – era amiga fraterna do Marechal Castelo Branco, o primeiro dos cinco presidentes militares. Aliás, Castelo morreu num desastre de aviação voltando da fazenda de Rachel, no interior do Ceará. Depois que deixou o comunismo, ela se alinhou sempre com o centro democrático. Combateu Getúlio Vargas e seu grupo por mais de meio século, o que a levou a não gostar de personalidades que identificava com Vargas, como Salazar, em Portugal, e Franco, na Espanha.
Suas entrevistas, que formam hoje a grande fonte de informações sobre sua vida, seu pensamento e seus julgamentos, estão na Internet e merecem ser lidas. E, como jornalista, assinou por muitos anos a última página de O Cruzeiro, a maior revista brasileira de todos os tempos, criação de Assis Chateaubriand.
Mulher de coragem moral, nas entrevistas, sempre defendeu dois polêmicos membros da Academia Brasileira: Chateaubriand, a quem creditou total liberdade de escrever por tantos anos, e José Sarney, que ela lembra ter sido eleito antes de ser influente e por ser um bom escritor. E conta sua participação na escolha de Roberto Campos, antes dele chegar à Academia com o voto dela, para o Prêmio Ermírio de Moraes, vencendo a resistência colérica dos esquerdistas radicais da Casa de Machado de Assis, que ainda não dominavam como hoje, em que a entidade virou uma “ação entre amigos”, esquerdistas ou omissos.
As posições francas e destemidas da grande intelectual não afetaram em nada seu reconhecimento por colegas de outras tendências, como o caso de Nélida Piñon, que dedica a Rachel um capítulo em seu delicioso livro Filhos da América.
Temperamento ameno, educada, Rachel encarou com serenidade a presença grosseira de um comunista na entrevista que deu ao programa Roda Viva, da TV Cultura, um dos melhores da televisão brasileira, mas sempre com a presença de radicais de esquerda, nem todos educados. Aliás, circula na Internet interessante programa em que o entrevistado era o então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf. Na ânsia de agredir o entrevistado, que era empresário de sucesso e entrara na política ligado aos militares, os entrevistadores insinuavam uma postura autoritária nas medidas tomadas por Maluf ao proibir o fumo nos restaurantes e a obrigatoriedade do cinto de segurança nos automóveis. Visto hoje, o programa serve para mostrar a visão do político e o grau de má vontade dos entrevistadores. Paulo Maluf foi pioneiro no Brasil nas duas medidas, hoje consagradas mundialmente.
Essa grande brasileira, neste ano, completaria 120 anos. Mas deve permanecer viva não só pela obra, mas pelo exemplo de correção, bom senso e plena liberdade intelectual, sem jamais ter cortejado a popularidade junto ao leitor ou aos companheiros de ofício. Por isso foi grande !!!