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O século XXI marca o fim de uma instituição que passou mais de cem anos no melhor do imaginário popular e das aspirações dos homens ligados de alguma forma à cultura. Trata-se da Academia Brasileira de Letras (ABL), criação de um grupo efetivamente de grandes valores intelectuais, liderados por Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Graça Aranha e outras referências da cultura em sua época.
Tendo a Academia Francesa como modelo, a ABL procurou sempre reunir aqueles que se destacavam, especialmente na criação literária. Mas sempre teve espaço para notáveis, como o caso dos presidentes da República, desde Getulio Vargas, eleito por aclamação em pleno Estado Novo, a José Sarney, com obra compatível, e Fernando Henrique Cardoso, sociólogo de esquerda, cuja contribuição à cultura foi ter tido nos seus dois mandatos um ministro da Cultura eficiente, Francisco Weffort, que, curiosamente, a Academia não elegeu. Mas, em troca de favores para a formação de seu patrimônio, hoje robusto, derrotou Juscelino Kubitscheck, campeão da pura democracia no Brasil. Não foi de direita nem de esquerda. A Academia sempre foi sensível a abrigar os donos de mídias, como foram os casos de Assis Chateaubriand e Roberto Marinho.
Mesmo em seus melhores anos, a ABL cometeu seus pecados ao confundir as coisas. Com a morte de um dos fundadores e entre os grandes da literatura, José de Alencar, elegeu seu filho Mário, de produção modesta. Meio século depois, ainda sob os efeitos da alegria de ter recebido o rebelde Jorge Amado, em sua fase madura, elege sua mulher, Zélia Gattai, que, não fosse pelo casamento, jamais chegaria à cobiçada cadeira.
Depois de décadas dirigida pela mão firme e competente de Austregésilo de Athayde, passou a ter presidência rotativa, mas sem a força de impedir a criação de grupos que escolhem os eleitos entre os seus.
Embora ao longo de sua vida a academia nem sempre tenha inspirado aspirações de notáveis como Carlos Drummond de Andrade e Erico Verissimo, hoje são poucos os de produção literária, que não a de relações próximas e apadrinhamento do chamado “núcleo duro”, que escolhe os ocupantes das vagas por critérios pessoais. Não se tem a preocupação de buscar mulheres e homens com produção, mas tão somente eleger pela origem ideológica e mesmo pelo compadrio. Foi-se o tempo em que a Academia elegeu Santos Dumont, mesmo sem sua candidatura formal. Mas ele nunca tomou posse . Ou insistia com talentos como Guimarães Rosa, que, supersticioso, achava que morreria tão logo assumisse. Por isso demorou mais de dois anos e quando assumiu morreu meses depois.
Foi-se o tempo em que os diplomatas escritores tinham uma presença. Os atuais foram eleitos há mais de 20 anos, como o caso de Alberto Costa e Silva. Geraldo Holanda Cavalcanti Sergio Rouanet, este,, embora diplomata, aproveitou sua posição de responsável pela cultura no governo de Fernando Collor para pavimentar a candidatura e se elegeu, descaradamente, no exercício do alto cargo, vencendo um ser superior como Roberto Campos, eleito em outra oportunidade.
Hoje, são muitos os intelectuais produtivos, de carreira e obra, que não estão entre as prioridades do grupo que domina a Casa de Machado de Assis. Exemplos são: Mary Del Priore, com mais de 30 livros editados e bem vendidos; Nelson Motta, escritor de sucesso, compositor, jornalista, um editor de referência e cultura; José Mário Pereira, da Topbooks; e Ricardo Cravo Albin, um ativista da memória histórica e da música no Brasil. São hoje imortais advogados, professores de Direito, ecop0nomistas, cineastas , muitos jornalistas, alguns com obra literária . Muitos apesar de cultura, autores semi-inéditos.
A exceção virou regra e, assim, o Brasil vai perdendo com o tempo uma instituição que teve respeito, prestígio e coroava carreiras devotada à produção e à ação cultural. Um pré-requisitvo é ser de esquerda, mesmo que a chamada esquerda caviar . Sinal dos tempos.