O mundo português, incluindo os países de língua e história ligada a Lisboa, conheceu bem a personalidade política de Mário Soares. Mesmo nos territórios que tiveram movimentos separatistas atendidos pelo 25 de Abril, ainda que ao preço da espoliação de milhares de portugueses que formaram a parte da população continental denominados de “retornados”, quando muitos não o eram, mas nascidos no ultramar, e como portugueses queriam permanecer.
Mário Soares certamente deve ter concluído que a emancipação daqueles territórios poderia ter sido feita de outra maneira, preservando direitos e investindo na qualificação da população originária daquelas terras. Uma separação que obedecesse à ocorrida no Brasil, pelo próprio herdeiro do trono português com sucesso. Omissão lamentável na narrativa histórica é a falta de registro das medidas protecionistas tomadas por Salazar, como a moeda diferenciada em Angola, para fixar no território os lucros das empresas, assim como uma abertura econômica que foi negada à metrópole. Luanda tinha bancos americanos que não existiam em Lisboa, por exemplo.
Mário Soares confirmou que era um socialista-democrata e sem tolerância com o comunismo totalitário que, ao se convencer que a entrega a Moscou estava sendo feita, juntou-se aos democratas de centro e restabeleceu o alinhamento português com a democracia e o os valores da civilização ocidental. Ato de coragem pois vinha de longa aliança com os comunistas.
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) deve sua criação a ele e a Itamar Franco, então presidente do Brasil. E Mário Soares teve no embaixador José Aparecido o interlocutor correto para consolidar a CPLP.
Mário Soares gostava do Brasil e dos brasileiros; chegou a dizer que os países eram um só. Amava ir ao Rio de Janeiro, sair da agenda oficial e andar pelas ruas, conversar. Gostava de comer um bife em restaurante simples, mas de qualidade; na Lapa, no centro do Rio, o Cosmopolita, que está lá até hoje ostentando uma foto do estadista português. Numa viagem; foi a uma escola de samba, e vestiu a camisa do Vasco da Gama. Noutra, foi a Búzios, matando velho desejo, segundo disse. Depois de deixar o governo, foi com amigos passar uns dias no Recife. E teve nos presidentes Sarney e Itamar dois bons amigos também.
Com Fernando Henrique Cardoso, teve uma relação complicada, bem diferente do que podia aparentar. FHC nunca o perdoou por ter defendido e obtido a representação brasileira na Internacional Socialista ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), de seu velho amigo Leonel Brizola e não no Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), dele. Por isso, em seus oito anos de mandato, ignorou a CPLP. E mais: Soares chegou a articular a eleição de José Aparecido de Oliveira para secretário-geral da organização e obteve o apoio dos demais países, mas não do Brasil de Fernando Henrique.
As boas relações que manteve com políticos de outras tendências revelavam o estadista que não tinha lugar para ódios e ressentimentos em seu coração. Na presidência, sempre distinguiu o General Antônio Spínola, seu antecessor mais à direita.
Publicado em: jornal Diabo, Portugal