A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, CPLP, criada nos governos de Mário Soares, em Portugal, e Itamar Franco, no Brasil, curiosamente nunca teve o apoio esperado por parte dos governos dos dois países. Viveu seus melhores anos quando o embaixador do Brasil em Lisboa foi José Aparecido de Oliveira, o grande entusiasta da entidade. Aparecido visitou todos os países membros e providenciou recepção relevante aos que visitaram o Brasil nos anos do governo Itamar.
Motivos da política menor e de ciumadas pessoais impediram que o secretário-geral tivesse sido o embaixador José Aparecido. Mário Soares levou o assunto ao então presidente Fernando Henrique Cardoso e nunca mereceu uma resposta ou justificativa para o Brasil ter aberto mão da posição.
O que vem fazendo o espírito da CPLP crescer nas relações do mundo português tem sido a sociedade em geral, meios empresariais e na cultura, os diplomatas dos países membros que percebem a importância e a viabilidade de um bloco de língua portuguesa. A literatura hoje circula entre os países de forma intensa. Autores africanos, como Mia Couto e Eduardo Agualusa, estão nas livrarias de todos os países. As reuniões da Academia de Ciências de Lisboa contam frequentemente com a presença do acadêmico brasileiro José Paulo Cavalcanti, um dos maiores conhecedores de Fernando Pessoa. Somos quase 300 milhões de pessoas presentes nos cinco continentes.
As empresas de maior porte do Brasil, como de Portugal, são relevantes nestes países sem nenhuma facilidade gerada pelos governos. No turismo, Portugal avança com a TAP presente nos países e as redes hoteleiras que ganharam o mundo.
O grupo da Universidade Lusófona, privado, é a maior contribuição pela integração da educação entre os Palop, com quase 80 mil alunos em diferentes cursos de graduação e pós-graduação.
No Brasil, o grupo está presente no Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. No Rio, o complexo de faculdades já é marca positiva.
O presidente do grupo no Brasil, António Montenegro Fiúza, é também o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa no Rio de Janeiro, presença nos grandes eventos que ligam as relações luso-brasileiras. Mas vem de longa experiência em outros países, como Moçambique e Cabo Verde, onde dirigiu a organização educacional. Recentemente lançou um livro de ensaios, “Viagem pela Lusofonia”, apresentado pelo reitor Manuel de Almeida Damásio. Fiúza acumula o posto informal de “embaixador” de Ponte de Lima, sua paixão maior.
É do conhecimento geral que os 70 voos semanais da TAP para cerca de dez cidades brasileiras são fundamentais para a sustentabilidade da empresa, assim como a rede de resorts e hotéis dos grupos Vila Galé, Pestana, Porto Bay e D. Pedro. O vinho português vem avançando com sucesso. E a GALP é parceira importante da Petrobras na exploração de petróleo.
A própria presença de brasileiros entre os investidores no imobiliário português é muito maior do que o registrado, que os coloca em quarto lugar. As estatísticas não incluem os de dupla nacionalidade, que são muitos. A banca já vem se fazendo presente com bancos do porte do BTG Pactual, Itaú-Unibanco e a possível volta do Banco do Brasil.
A essa altura da política mundial, a integração deve mesmo ser pela via privada, bastando aos governos não atrapalharem. O Brasil de Lula, presença indispensável, está neste momento da política local mais interessado em sua integração ao eixo Rússia-China- Irã do que com Portugal e a União Europeia. Mas a sociedade não.
Publicado em: jornal O Diabo.pt 19/10/24