A República foi implantada no Brasil em novembro de 1889, em movimento branco, pois de um para o outro. Numa época em que as comunicações eram precárias, o estimado Imperador Pedro II e sua família foram embarcados às pressas para a Europa, sem o povo tomar conhecimento do que se passava. Uma teia de intrigas instruiu a ação de meia dúzia de militares sediados no Rio de Janeiro.
Os primeiros anos já iriam demonstrar que o regime implantado viria a gerar crises internas e problemas ou constrangimentos internacionais. O primeiro presidente, o Marechal Deodoro, durou pouco no cargo e foi substituído pelo seu vice, Marechal Floriano Peixoto, que entrou para a História como “Marechal de Ferro”. Como não convocou eleições após a saída do titular, passou o mandato governando assinando os atos oficiais como “vice-presidente da República”, num primeiro episódio curioso ou caricato do período.
O que pouco é referido nos livros de História são os meses em que Brasil e Portugal viveram uma crise, agravada pela suspensão das relações diplomáticas. Os EUA ficaram representando os interesses brasileiros em Lisboa e o Reino Unido, os portugueses no Rio de Janeiro.
O pretexto do rompimento, de inspiração menor de setores ditos nacionalistas, foi o asilo concedido pelo comandante português Augusto Castilho, nos navios Mindelo e Afonso de Albuquerque, aos oficiais da Armada brasileira revoltados contra o governo Floriano. O asilo, obedecida às leis internacionais e aos princípios humanitários alegados por Portugal, foi considerado por Floriano “uma ofensa à soberania nacional”. Mas a crise vinha da proclamação, quando surgiu um sentimento antiportuguês que levou o governo a medidas tais como limitar remessas de dinheiro de portugueses para suas famílias em Portugal, a naturalização compulsória dos portugueses residentes no Brasil e o afastamento das boas relações com a Europa em favor da proximidade com os americanos.
Na revolta da Armada, liderada por dois nomes cultuados até hoje pela Marinha do Brasil, os almirantes Custódio de Melo e Saldanha da Gama, o governo brasileiro contou com o apoio decisivo de Washington, que vendeu material bélico e enviou oficiais para instrução de brasileiros.
A animosidade com os portugueses tinha origem nas notícias de que os revoltosos queriam restaurar a monarquia e que eram apoiados pelo representante de Portugal, o Conde Paço d’Arcos, homem de personalidade, depois substituído pelo Conde de Paraty, de atuação mais discreta. Também havia a ciumada com os portugueses que dominavam o comércio no Rio, sendo 20% da população e controlando mais da metade da riqueza circulante. Este movimento estava concentrado nos jornais , pois os portugueses eram na verdade brasileiros , poucos pensavem no regresso e quase todos com familias constituidas no Brasil. No fundo se trratava de gerar polemicas para desviar a atenção do forte desejo dos brasileiros pela volta da monarquia , que caiu mais por um golpe de astucia e desinformação do que propriamente militar .
Os navios portugueses chegaram a ter mais de 500 brasileiros embarcados com pedido de asilo. Gerou-se uma crise sanitária e de alimentação, levando os barcos para o Prata. Não conseguiram desembarcar em Montevidéu e seguiram para Buenos Aires. Ali, a metade fugiu para ingressar no Brasil pelo Sul, onde havia um outro movimento contra o governo, conhecido como Revolução Federalista. O governo portugues teve de fretar um barco , D Pedro III , para conduzir os restantes a Lisboa.
No primeiro governo civil, do presidente Prudente de Morais, as relações foram restabelecidas e estreitadas. Ficou acertada uma visita de D. Carlos em 1908, quando do centenário da abertura dos portos por D. João VI , que não ocorreu em funçao do regicidio. E Portugal foi decisivo no convencimento aos ingleses do reconhecimento da soberania brasileira sobre a Ilha Trindade.
Publicado em Jornal Diabo.pt 22-04-22