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Serenadas as paixões políticas, a figura controvertida de Carlos Lacerda, um dos cinco homens que marcaram o século XX na política brasileira, começa a se aproximar do real. O livro recente sobre outro jornalista marcante, Samuel Wainer, registra os primeiros anos da sua atividade, próximo ao Partido Comunista. A publicação vai até a forte campanha que ele fez contra o ex-amigo Wainer, que havia fundado a Última Hora, jornal de apoio a Getulio Vargas, contra quem Lacerda também comandou impressionante campanha que levou o presidente ao final trágico, em 1954.
Carlos Lacerda foi possivelmente o mais completo intelectual de sua geração. Jornalista, orador, poeta, tradutor , editor. Parlamentar entre os maiores da história, foi bom gestor da cidade do Rio de Janeiro, eleito em 1960.
Amado, temido e odiado. Ficou com a fama de demolidor de presidentes. Levou Vargas à crise que o conduziu ao gesto extremo do suicídio, rompeu com Jânio Quadros, que dias depois renunciou à Presidência, e fez campanha contra João Goulart, o Jango, que acabou derrubado pelos militares, em 1964. Mas, em menos de dois anos, rompeu com a situação e acabou perdendo seus direitos políticos.
Seus críticos garantiam que ele não tinha amigos, apenas “instantes de amizade”. Lacerda brigava com todos e, com a mesma facilidade, recompunha a relação, como fez com JK e Jango, a quem procurou para lutar contra os militares. O encontro com JK foi em Lisboa. Com Leonel Brizola tentou, mas não conseguiu ser recebido.
Irrequieto, atuou na área internacional. Comprou uma briga com De Gaulle, que mereceu primorosos textos seus, muitos publicados na França, em que expunha e ridicularizava a vaidade e certa arrogância do líder francês. Escreveu com fina ironia que “este homem cheio de defeitos é um grande homem, dos maiores que a França teve. Não espera que o outros o reconheçam porque a sua opinião conta mais do que a dos outros”.
Em 1974, acolheu no Brasil o General António de Spínola e seus companheiros, e publicou admiráveis artigos denunciando a inspiração comunista do 25 de abril, na revista brasileira Manchete e na francesa Paris Match.
Esse notável morreu muito cedo, aos 66 anos, desgostoso com o afastamento da vida pública, mas usufruindo de recursos em longas viagens, preferencialmente a Paris, onde era hóspede habitual do L’Hotel. Deixou as editoras Nova Fronteira e Aguillar, um banco, terras em Angra dos Reis e a primeira empresa brasileira de serviços de informática, atendendo a loteria Totobola. O filho mais velho, Sergio, tratou de perder tudo em pouco mais de dez anos. Sua obra publicada é rica, variada e deve ser mais conhecida. Sua vida pessoal, controvertida, mas se sabe que teve ligações com duas mulheres famosas – a atriz portuguesa Maria Fernanda e a americana Shirley MacLaine.
Foi bom frasista, com tiradas como: “meu destino é ser atacado pela direita e pela esquerda” e “o presidente Castelo Branco é mais feio por dentro do que por fora”. Ao saber que um ex-amigo, Abreu Sodré, havia escrito um livro de memórias, exclamou: “Que vitória da campanha de alfabetização no Brasil!”. E outras: “a impunidade gera a audácia dos maus”; “quem não foi comunista aos 18 anos não teve juventude, e quem é depois dos 30 não tem juízo”. Esta última tem semelhança às proferidas por George Clemenceau e Churchill.
Uma pena a perda da memória dessas personalidades que marcaram sua época, mesmo que em controvertidas polêmicas, como que confirmando sua importância.
Publicado em : Jornal O Diabo – Portugal/Lisboa