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Numa reunião de amigos fui indagado sobre qual fato que presenciei na vida e me impressionou positivamente em alguém. Ao pensar, foram muitas as oportunidades que tive de presenciar gestos altruístas, generosos, no longo convívio com brasileiros relevantes. Testemunhei gestos de grandeza em Magalhães Pinto, José Aparecido, Negrão de Lima, José de Castro, pessoas que as posições fortaleceram uma índole para o bem. No entanto, o que mais me impressionou foi um depoimento de empresário relevante no Brasil que ouvi num jantar despretensioso.
Estava no icônico restaurante Antiquarius, no Leblon, com meu então chefe e grande brasileiro José Hugo Castelo Branco, ministro da Indústria e Comércio de Sarney, com o empresário Antonio Sanchez Galdeano, amigo e sócio de José Hugo, quando sou surpreendido com uma pergunta referente a um fato de amplo conhecimento público, ocorrido décadas antes.
Galdeano tinha grandes relações na política e no alto empresariado. Amigo de Chateaubriand, por exemplo, e, entre os políticos, do deputado José Maria Alkmin, ministro da Fazenda de JK. Carlos Lacerda, virulento oposicionista, acusou Galdeano de ter obtido preciosa licença de importação de uísque do governo quando o país vivia problemas de divisas. O assunto rendeu, ocupou manchetes nos jornais da época. E Galdeano nunca esclareceu o assunto, durante o noticiário e depois dele. Nunca foi chamado para nada e poucas pessoas perceberam o engano por conhecerem os personagens. Naquele jantar, cerca de 40 anos depois da questão, José Hugo indaga ao amigo como se viu envolvido num escândalo fora do universo de seus negócios.
Antônio Galdeano disse que nunca comentou sobre isso com ninguém e que naquele momento, passados tantos anos e indagado por pessoa tão querida, iria contar a verdade: o pai dele, espanhol da Galícia, veio para o Brasil a chamado do irmão, já estabelecido e próspero atacadista de alimentos. Depois de trabalhar alguns anos, o irmão o incentivou a partir para seu próprio negócio, o que fez com igual sucesso. No fim da vida, percebendo a morte, chamou o filho e disse que eles deviam tudo que tinham ao apoio do irmão já falecido e que pedia a ele que fosse sempre atento na solidariedade e apoio aos primos, como prova do reconhecimento ao apoio do irmão e tio. Antônio disse que o pai não se preocupasse, que assim o faria.
Vinte anos depois, Lacerda surge com a denúncia contra A. Galdeano, “o amigo de JK que importava uísque com licença do governo”. A inicial não era de Antônio, mas de Arlindo, seu primo, que era e foi por mais de meio século o importador exclusivo do Johnnie Walker no Brasil. Ele não só não esclareceu como pediu ao primo que ficasse calado. E como as licenças eram legais, a denúncia nunca saiu das páginas dos jornais e da tribuna da Câmara dos Deputados.
Impressionante gesto de grandeza e correção, que retiro do baú de minhas memórias para esclarecer a verdade e mostrar a dignidade de um brasileiro vitorioso, filho de imigrante e que marcou sua época no Brasil.
Publicado em: 19/11/25
