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Os brasileiros se queixam da legislação portuguesa, ou da União Europeia, que dificulta a remessa de livros do Brasil para Portugal. Os autores, principalmente, desistiram de mandar suas obras aos amigos, pois elas são retidas nas Finanças, para pagamento de uma taxa de valor irrisório. Quem envia corre o risco de o destinatário não ter pachorra para ir liberar o livro ou de perder o tempo para recebê-lo. Não se trata de caviar nem de champanhe. Mas livros são tratados como bem a ser tributado.
Estas e certamente outras burocracias levam a perda de mercado para os autores em língua portuguesa. Muitos moram em Angola ou Moçambique e devem enfrentar as mesmas dificuldades.
No mais, nota-se, nas livrarias de ambos os lados do Atlântico, a concentração nos clássicos como Machado de Assis, Eça de Queirós e Fernando Pessoa. Até Jorge Amado anda sumido das livrarias lisboetas, onde foi destaque por muitos anos.
A ligação de admiração faz com que tenhamos notáveis especialistas em Eça e Pessoa entre os brasileiros. Recentemente foi lançado em Lisboa, no Grêmio Literário, o “Sobre Eça de Queirós” reunindo ensaios, estudos e escritos de Silvio Lago, brasileiro radicado em Lisboa, não sendo a primeira obra do autor abordando o grande filho de Tormes. O grupo de autores brasileiros estudiosos de Eça é enorme e inclui Dário Castro Alves, Heitor Lira,o antigos embaixadores do Brasil em Lisboa.Vale lembrar que a primeira biografia de Eça foi publicada no Rio de Janeiro, por Miguel Melo, nove anos após a morte do notável.
Outro fato recente e relevante foi a posse na Academia de Ciências de Lisboa, a maior referência cultural portuguesa, do notável e admirável José Paulo Cavalcanti Filho, carismático intelectual, membro da Academia Brasileira, jurista e homem público.
José Paulo – nome nacional no Brasil, mas sem deixar Recife, de onde irradiou seu talento e qualidades de conciliador e de impecável correção intelectual – é considerado uma das maiores, se não a maior autoridade em Fernando Pessoa, cujo livro “Uma quase biografia” tem, entre os dois países, quase dez edições. Sua mulher, Lecticia Monteiro também editada em Portugal, vem de lançar o seu “A Mesa com Deus” que coroa uma obra com base na gastronomia , que já inclui os”A Mesa com Gilberto Freire” . O casal já pode ser definido como “ luso-brasileiro “.
Pernambuco, no Brasil, tem uma boa tradição de nomes conhecidos do público português, como Oliveira Lima, Gilberto Freyre e Manuel Bandeira.
O mérito é dos mortos e vivos que fazem a integração das duas literaturas e que parece que o fazem à revelia de seus governos. Livros em língua portuguesa deveriam transitar nos países da CPLP livremente, sem taxas, sem censura, sem burocracia. São muitos os autores que têm condições de ganhar notoriedade e mercado fora de seus países, como já ocorre com Mia Couto e José Eduardo Agualusa.
O Brasil tem hoje uma presença muito positiva com a Livraria Travessa, bem instalada no Príncipe Real e que, em sua rede no Brasil, hoje a mais importante, é bom apoio aos autores portugueses.
Muitas obras deveriam, inclusive, ser reeditadas ou ter circulação simultânea, a começar pelas dos diplomatas que serviram nos dois países e que são muitos com interesse.
Foi-se o tempo em que os jornais impressos circulavam diariamente nos dois países, sendo que “O Globo”, grande diário de Roberto Marinho, chegou a ter uma edição que vinha para Lisboa com a tarja verde e vermelha na primeira página. E os adidos, nos anos 1960, tinham a relevância de Domingos Mascarenhas, no Rio de Janeiro, e Otto Lara Resende, em Lisboa.
Publicado em: jornal O Diabo- Portugal 25/11/23