Neste momento em que o Brasil e o mundo, em geral, são um grande deserto de homens e ideias, é importante lembrar que não faz muito tempo que tivemos notáveis, em diferentes setores da sociedade. No século XX, o Brasil, por exemplo, foi rico em ilustres, mas um exame deste grupo leva a destacar um, pelo conjunto da obra a personalidade brilhante, controvertida e pela ampla participação da vida nacional. Este notável foi Carlos Lacerda, que construiu uma rica biografia e morreu muito jovem, aos 63 anos.
Jornalista de sucesso, derrubou Vargas duas vezes. A primeira foi no Estado Novo, com uma entrevista bomba, que rompeu a censura vigente na época e a outra, dez anos depois, na campanha que levou Vargas ao suicídio, no governo constitucional. Seus artigos na Tribuna da Imprensa, que fundou, e em outros jornais, como o Estado de S. Paulo, sempre foram o assunto do dia quando publicados.
Parlamentar por seis anos, temido, combatido, mas respeitado. Foi eleito governador da cidade do Rio de Janeiro, revelando-se bom gestor público. Não chegou a ser referência nacional, pois seu tempo coincidiu com outros notáveis realizadores, cada um em seu estilo, como Juscelino Kubitschek, Negrão de Lima e Adhemar de Barros.
Escritor imperdível, memorialista, tradutor impecável do francês, Lacerda cultivava rosas e apreciava música, dando ao Rio sua grande sala, a Cecília Meireles. Como político, sonhando com a Presidência da República, derrubou dois presidentes, além de Getúlio Vargas: Jânio Quadros, que levou à renúncia com uma entrevista bomba na televisão, de ampla repercussão no país dias antes do inexplicável gesto, e João Goulart, na pregação veemente da defesa da democracia e do capitalismo ameaçados pela aproximação de Goulart com os comunistas.
Irrequieto, ambicioso e belicoso, Lacerda, quando percebeu que os militares não o levariam ao poder, rompeu com eles e foi se juntar aos adversários da véspera, Juscelino Kubitscheck e João Goulart, na fracassada Frente Ampla. Afastado da política, dedicou-se a empresas que fundou, com recursos de origem controvertida, que incluía banco, editora e o primeiro grande centro de serviços de computação do Brasil, a Datamec.
Ressurgiu, nos últimos anos de vida, ao assumir a defesa da democracia em Portugal, recebendo o General Antonio Spínola e seu grupo no Rio, escrevendo memoráveis reportagens na revista Manchete, no Brasil, e Paris Match, na França. Um furacão que fez despertar o ocidente para a importância de resgatar Portugal da influência soviética. E o fez com a autoridade de quem se opôs sempre ao regime salazarista, talvez por resquícios do comunismo que flertou na mocidade.
Como figura humana, no entanto, foi controvertido. David Nasser, outro notável e grande repórter do século, chegou a escrever que Lacerda tinha “instantes de amizade” A frase era sobre a história que corria de que um de seus filhos, certa vez, perguntou à mãe o motivo de os amigos do pai serem diferentes a cada aniversário.
Amado e odiado, admirado e criticado, Lacerda teve uma vida intensa, marcada pelo talento. E o século foi rico em quase todo o ocidente, incluindo Portugal de Salazar – segundo pesquisa conhecida da RTP, Duarte Pacheco, Pessoa, Egas Moniz, Sacadura Cabral, Amália, Eusébio. E, na Europa, destacou-se Adenauer, Churchill, De Gaule, George Pompidou, Thatcher,Ronald Reagan, João Paulo II, General Franco e tantos outros que construíram a historia do século.
Hoje, constata-se vivermos num deserto de homens e ideias,