O presidente de Portugal Marcelo Rebelo de Sousa conhece bem o Brasil, os brasileiros e desde sempre a política e os políticos contemporâneos. Apreciador de uma boa conversa, gosta de contar e de ouvir histórias dos grandes de seu tempo.
Nos últimos cem anos, alguns políticos ficaram bem conhecidos em função dos fatos históricos vividos, mas também, e às vezes sobretudo, por aspectos de sua personalidade e comportamento político, nos bons momentos e nos mais difíceis. Estes homens deixam lições, exemplos do que se deve fazer e do que não se deve fazer.
Portugal, após o 25 de Abril, teve dois políticos, presidentes do país, que encontraram no brasileiro JK uma referência na maneira de lidar com a sociedade e com o mundo político, incluindo a imprensa. Foi o caso de Mário Soares e é o de Marcelo Rebelo de Sousa.
O presidente de Portugal possivelmente não conheceu Juscelino, mas conhece bem sua vida pública e o lugar que ocupa na memória dos brasileiros. Não esconde a curiosidade e a admiração pelo político brasileiro, não apenas por ter sido um amigo de Portugal e buscado em Lisboa o exílio em momento tão difícil de sua vida. Mas pelas qualidades no trato da política que no Brasil se chama “mineiridade”, que é o estilo de fazer dos homens de Minas Gerais: firmes, determinados, porém extremamente cordiais, conciliadores, cultores da arte de fazer política com poucos atritos.
JK foi eleito com apoio dos getulistas e, por tal, sofreu restrições dos militares. Enfrentou duas rebeliões de oficiais da Força Aérea e os anistiou ainda em seu mandato. Encarou com sorriso a fúria da opinião comandada pelo incendiário Carlos Lacerda, que veio a receber anos depois em Lisboa. Mesmo entre os militares de 64 tinha amigos e simpatizantes e só foi atingido com a perda de seu mandato de senador por imposição de Lacerda. O próprio presidente Castelo Branco, que recebeu o seu voto, ficou constrangido com o afastamento do ex-presidente.
JK tinha trânsito nas esquerdas, embora com muita naturalidade tenha apoiado a política ultramarina de Portugal. A Revolução foi buscar em seu ministro das Finanças, José Maria Alkmin, o vice do primeiro presidente militar e no formulador de seu programa de governo, Roberto Campos, o executor da mais ampla reforma econômica e administrativa da história nacional. Magoado com o afastamento da vida pública, nunca se manifestou contra o regime no exterior nem no Brasil. Não escondia a admiração pelas grandes obras. Hoje é uma unanimidade no reconhecimento nacional.
Mário Soares e Marcelo apresentam a mesma maneira de fazer política. Embora tivesse a conotação ideológica e tenha sido parte da fase mais obscura do movimento dos cravos, com as prisões, demissões e confiscos – mas sem se comprometer com estas práticas –, Mário Soares ganhou o centro quando formou para deter a escalada comunista. E sempre sem perseguir ou retaliar, acabou estimado e respeitado. Os erros no final, que o levaram a uma presença pífia na eleição que disputou, nem são lembrados.
Marcelo é assim, conciliador, de bom senso, equilíbrio, não se compromete e mantém popularidade e trânsito político. Quando concilia demais com erros, logo que pode corrige o rumo e reconquista os espaços que perdeu. E assim contribui para certa paz interna e a consolidação democrática. Agora deve advertir o governo de erros graves na condução da economia com viés mais à esquerda, que não colabora para o desenvolvimento, nem a geração de bons empregos no país. Sem agredir ninguém, não vai se comprometer com equívocos que certamente podem jogar Portugal numa crise econômica e social.
Como se diz em Minas, quem viver verá.
Publicado em: Jornal O Diabo.pt 07/10/23