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Na leitura de um trabalho sobre a literatura brasileira e portuguesa, identificando os grandes nomes ao longo da história dos dois países, percebe-se a importância dos diplomatas desde sempre nos movimentos culturais em que a palavra e o idioma são comuns.
Quando da criação da Academia Brasileira de Letras, a cadeira número um teve como patrono Alexandre de Gusmão, grande português nas letras e na diplomacia. O patrono da carreira no Brasil, séculos depois, foi o Barão do Rio Branco, ele mesmo escritor e historiador, fundador da Academia, assim como os ícones Joaquim Nabuco, Graça Aranha, Domício da Gama.
Ao longo do século XX, a presença de diplomatas sempre marcantes, como na Semana da Arte Moderna, Raul Bopp, poeta de referência no modernismo, seguido de muitos outros, em que cabe destacar Guimarães Rosa, o poeta João Cabral de Melo Neto, o inesquecível Vinicius de Morais, o historiador africanista Alberto Costa e Silva, que foi embaixador em Portugal, assim como o grande biógrafo de Pedro I do Brasil e IV de Portugal, Heitor Lira e o pensador liberal José Guilherme Merquior, de uma cultura impressionante.
Têm sido comuns livros de memórias de diplomatas, que retratam a história do Brasil a seu tempo, destacando-se o de Pio Corrêa, talvez o mais completo testemunho da história do Brasil por mais de cinco décadas, e o monumental “Lanterna na Popa”, de Roberto Campos. Mas outros deram sua contribuição como o embaixador Mário Gibson Barbosa, que teve durante a sua gestão factos relevantes como o Tratado de Itaipu, com o Paraguai, para a construção desta que é a maior hidroeléctrica do mundo, e a entrega por Portugal dos restos mortais de Pedro I do Brasil e IV de Portugal, em 1972 e nos deixou um belo livro autobiográfico. Claro que essa presença vem de Portugal, em que o maior nome das letras, com inspiração religiosa e filosófica, foi o Padre António Vieira, nascido em Portugal e morto no Brasil.
Para muitos, o maior nome da língua portuguesa, Eça de Queirós, foi diplomata. Embora nunca tenha estado no Brasil, foi entre os brasileiros que teve – e tem até hoje – o maior número de leitores, pelos livros, e, em vida, nos jornais, como a Gazeta de Notícias do Rio.
No ano de 2016, o Consulado de Portugal em Toronto, Canadá, chegou a fazer uma exposição lembrando os diplomatas escritores, como Guerra Junqueiro e Paulo Castilho. E o embaixador Franco Nogueira é o autor da biografia detalhada do professor Salazar, que abre esta farta bibliografia sobre a vida e a obra do grande português, na opinião atestada dos portugueses pela RTP, em histórica consulta popular.
Na actual safra de diplomatas destaca-se o poeta Luiz Felipe de Castro Mendes, que exerceu recentemente com brilho e personalidade o ministério da Cultura de Portugal. É tido, e com razão, como o maior poeta vivo português. E agora, numa edição voltada para amigos, e a Vila Real, mas que pede pelo seu encanto uma edição para o público, Francisco Seixas da Costa lança o “A Cidade Imaginária”, de reminiscências de sua terra natal, dos anos em que lá viveu e onde tem a casa que é um refúgio para suas leituras e textos. A Vila Real, no Minho, que é uma leitura deliciosa, como todos os seus textos, muitos no concorrido “blog” do qual é titular. Aliás, talvez, pela vida passada longe de Portugal, homens como Eça e Seixas da Costa valorizem muito a terra em que nasceram, como não por coincidência nas suas obras, como no título “A Cidade e as Serras” e agora este, “A Cidade Imaginária”. Embora não tenha exercido função diplomática, Amadeu Lopes passou parte da vida fora de Portugal, o que justifica o seu livro que tanto fala de Elvas.
Ao longo das quatro décadas deste jornal, a presença de diplomatas em suas páginas foi permanente, na beleza dos textos e no valor das ideias como os casos de Carlos Fernandes e Fernando Castro Brandão.
Publicado em : Jornal O DIABO -12/11/2021