Os anos áureos da diplomacia brasileira terminaram no governo Geisel, quando o então chanceler Azeredo da Silveira desviou a política externa da Revolução do alinhamento com os aliados tradicionais, EUA e Europa Ocidental, base da União Europeia. Na questão, foi Geisel quem adiantou-se em reconhecer o governo de Angola, sabidamente alinhado a Moscou, e antes o Brasil foi o primeiro país a reconhecer o novo governo português no 25 de Abril. Mesmo na gestão de Afonso Arinos, no governo Jânio Quadros, os membros da casa de Rio Branco ainda eram no nível dos tempos do pai do chanceler, o “estadista da República” Afrânio de Melo Franco, que tinha dois outros filhos na carreira, um genro, um neto e bisneto.
A diplomacia brasileira sempre teve a marca da monarquia, mesmo na República, que em três governos teve presente na política externa o Barão do Rio Branco. E grande parte dos diplomatas vinham de famílias antigas, algumas que assumiram como sobrenome os títulos nobiliárquicos que tiveram seus maiores. Casos das famílias Rio Branco, Ouro Preto, Paranaguá, Taunay e outros. Outra marca que vem desaparecendo nas últimas décadas é a presença relevante de filhos, netos e irmãos diplomatas de diplomatas. Estes, por exemplo, são os casos dos embaixadores Guilherme e Raul Fernando Leite Ribeiro, filhos do embaixador Orlando e Raul pai do atual embaixador Orlando. Três gerações. Frank Thompson Flores e Sergio, filhos e sobrinhos de embaixadores também. Caso curioso foi o do chanceler Luiz Felipe Lampreia, que foi embaixador em Lisboa, filho de diplomata e neto de diplomata português que foi embaixador no Rio de Janeiro no início do século passado.
Outros notáveis viveram fora do país, na Europa, onde os pais exerciam funções não diplomáticas, como os casos dos embaixadores Pio Corrêa e Antônio Corrêa do Lago.
Virou moda se referir ao “novo Itamaraty”, mas, sem nenhum preconceito ou discriminação, a carreira é especial e os que moraram fora, estudaram em instituições relevantes, formaram desde a mocidade cultura geral e outros idiomas, especialmente o francês e o inglês, têm melhores condições do bom exercício da função, que pede desde sempre intimidade com estes códigos das elites, inclusive no vestir e no se sentar à mesa. Os ressentidos de sempre procuraram diminuir estas condições alegando que eram diplomatas de “punhos de renda”, o que, na verdade, seria uma credencial positiva. A diplomacia pede uma boa presença pessoal, desembaraço e segurança. Coisas que os “punhos de renda” proporcionam, sem invalidar os que por mérito chegam à carreira. O diplomata Ernesto Batista Mané, servindo em Washington, é afrodescendente e, no entanto, relacionado entre os mais preparados dos quadros do Itamaraty, mas chegou a carreira já tendo morado fora e fluente no inglês. A diferença não é social, nem racial, mas sim de formação para bem exercer as funções que são muito específicas. O ministro aposentado do Supremo Joaquim Barbosa, negro,foi oficial de Chancelaria antes de fazer o concurso para juiz e serviu na Finlândia.
Um contestador das tradições recentemente falecido instituiu, no tempo em que foi influente, alternar postos de terceiro mundo com os países da Europa e nossos
vizinhos. Um desastre na perda de qualidade da representação, considerando que muitos países da Europa, mesmo Repúblicas, ainda possuem diplomatas titulados, como Itália e França, e seria natural que os mais equipados para os postos de primeiro mundo sejam os mais recomendados. O diplomata não é um burocrata, nem um técnico, mas um representante do Brasil.
Vale observar que filhos de diplomatas abraçarem a carreira paterna é muito comum também em Portugal.
Publicado em: Jornal O Diabo.pt 06/07/24