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Fala-se muito em cultura e literatura, mas a pauta tem sido quase sempre voltada à pregação ideológica. As livrarias estão ricas em títulos esquerdistas, marxistas, de doutrinação – quando não, de desinformação. São as teorias da Nova Ordem, versão pós-queda do Muro de Berlim do comunismo. Os intelectuais perderam a pureza dos ideais, mesmo aqueles muitos que se deixaram levar pelas propostas utópicas e fraudulentas do marxismo, em outros tempos.
No início, sem as facilidades de comunicação do pós-guerra, da comparação entre padrão de vida nos diferentes países ser visível, houve uma adesão sincera ao ideal comunista. Stalin deu prioridade à cooptação de militares, religiosos e intelectuais. Com sucesso relativo entre os dois primeiros e quase que completo nos meios ligados à cultura.
Os anos 1960 marcaram a libertação do meio intelectual com a renúncia à obediência às ordens de Moscou, em todo mundo. Na Europa, foi notável o movimento encabeçado pelos cinco nomes mais em evidência naquele momento, denunciando o totalitarismo e a falência do regime que se escondia atrás da Cortina de Ferro. Não deu pão nem liberdade.
Os mais relevantes foram o ator e cantor Ives Montand (1921-1991), francês nascido na Itália, que foi do Partido Comunista e depois rompeu com as intervenções soviéticas violentas na Tchecoslováquia e Hungria. O rompimento foi uma denúncia da ditadura, prisões e tortura. Provocou a adesão de outro comunista, como o cineasta Costa Gravas, grego, militante comunista que fez cinco filmes políticos contra ditaduras de esquerda e direita, começando pela Cortina de Ferro e terminando com documentário premiado sobre o regime chileno.
No grupo dos dissidentes, ainda estava o teatrólogo, poeta e ativista cultural Fernando Arrabal, autor da mais veemente obra de condenação do regime cubano, o livro “Carta a Fidel Castro”, publicado em quase todo mundo. Arrabal era íntimo do regime, tinha direito casa em Havana, mas, diferentemente de García Lorca, não ficou cego pela ideologia e as mordomias. Pôde constatar a verdade e denunciar de forma enfática. Curiosamente o livro tão editado não costuma ser referido nas referências ao escritor e teatrólogo. E Jorge Semprún, espanhol, que foi morar na França e voltou a Madrid para ser Ministro do primeiro governo socialista. Sempre um membro do Partido Comunista espanhol, foi o biógrafo de Ives Montand.
Claro que o maior nome foi e é o de Mario Vargas Llosa, que depois de longa militância comunista se tornou a maior personalidade na defesa da democracia, condenando os regimes totalitários que levam a miséria e a fome a países como Venezuela e Nicarágua – agora, também, preocupado com o seu Peru, natal. Hoje, não há nem uma palavra dos “democratas” de esquerda sobre o que se passa nestes países, as crises que pipocam depois de uma equivocada opção eleitoral de chilenos, colombianos, peruano s e argentinos.
No Brasil, o rompimento com o comunismo não foi menos expressivo. Nos anos 1970, abandonaram o credo soviético nomes como Gilberto Amado (1912-2001), consagrado escritor que chegou a ser deputado pelo Partido Comunista, o jornalista e escritor Paulo Francis (1930-1997) e o escritor Antonio Paim (1927-2021) filósofo,
formado na Universidade de Moscou, e considerado o maior estudioso do liberalismo no nosso país Brasil. Hoje o nome mais respeitado, mas sem a divulgação que faz por merecer, é o do diplomata Paulo Roberto de Almeida, também com simpatias esquerdistas na mocidade.
Este estranho momento em que vivemos inclui a negação do que o escritor brasileiro Nelson Rodrigues chamaria de “o óbvio ululante”. Ou seja, os intelectuais defendem ideias e regimes que não deram certo, condenam práticas na economia associadas à liberdade e à democracia como o capitalismo. Ainda aceitam, em silêncio cúmplice, regimes retrógrados, primários, como os dos citados países latino-americanos, e louvam governos socialistas em países estagnados na economia, como França, Espanha e Portugal, com grande presença e intervenção do Estado na economia.
Publicado em : jornal Diabo.pt