A história do século XX, acidentada politicamente em Portugal e no Brasil, comprova que a identidade e solidariedade entre os dois povos pairam acima de eventuais diferenças de orientação política ou ideológica. É como se fosse mesmo a segunda pátria de cada um.
No Estado Novo de Getúlio Vargas, o líder brasileiro do integralismo, Plínio Salgado, intelectual com evidentes identidades com Salazar, viveu oito anos em Portugal, no exílio, e nunca foi recebido pelo primeiro-ministro, que manteve sempre grande relação de cordialidade com Vargas, com quem nunca se encontrou. Outros refugiados do Estado Novo brasileiro também buscaram acolhida em terras lusitanas, como o General Euclides Figueiredo, pai do presidente brasileiro João Figueiredo. E muitos e muitos outros. Mais tarde, quando da Revolução de 1964, o presidente JK veio para Lisboa, onde inclusive casou sua filha Márcia. Assim como grandes jornalistas, como Hermano Alves, que perdeu o mandato de deputado e veio ser correspondente de O Estado de S. Paulo.
No salazarismo, o Brasil acolheu um sem-número de exilados, como o intelectual Tomás Ribeiro Colaço, o jornalista Cunha Rego, Paulo Duarte. No 25 de abril, vieram logo o presidente Américo Tomás, o primeiro-ministro Marcelo Caetano, aos quais se juntaram, meses depois, o presidente António Spínola, o Almirante Henrique Tenreiro, o ministro Baltazar Rebelo de Sousa, ministro Rui Patrício, advogados de renome como Inocêncio Galvão Teles, Alberto Xavier e Assis de Almeida – estes ficando para sempre no Rio de Janeiro. E os mais importantes empresários portugueses, como Antonio Espírito Santo, António Champalimaud, Manuel e Mário Vinhas, Carlos Alves, os Pereira Coutinho, Pinto de Magalhães. Médicos e engenheiros a centenas.
O governo do Brasil de então a todos facilitou e contabilizou mais de um bilhão de dólares de ganhos em profissionais com formação universitária que aportaram já formados, muitos com mestrado e doutorado, no Brasil. Bons livros sobre a época foram escritos por Leonor Xavier e Manuel Vinhas, além dos diários de Marcelo Caetano.
Boa parte dessa explosão imobiliária em Portugal, Lisboa em particular, se deve aos brasileiros mais prudentes, que, temerosos dos avanços ideológicos da era PT-Lula, trataram de providenciar um teto e alguma poupança naquela que se tornou naturalmente a segunda pátria de muitos. Agora, com melhores perspectivas no Brasil, o fluxo diminuiu, mas não regrediu, uma vez que a grande maioria gostou da vida portuguesa e passou a dividir seu tempo. Os números são muito superiores aos oficiais com base nos Golden Visa, já que mais da metade é de brasileiros com cidadania portuguesa e mesmo italiana, especialmente os oriundos de São Paulo. Curiosamente essa ligação toda praticamente não teve participação dos governos, que, inclusive, perdem excelentes oportunidades de uma integração econômica que poderia ser útil a ambos os países.
Nesse amplo intercâmbio de personalidades que por motivos políticos tiveram de deixar seus países nunca estiveram presentes aqueles comprometidos com movimentos radicais, como os de inspiração e patrocínio comunista. Estes, tanto brasileiros como portugueses, recorreram a verdadeira segunda pátria, a União Soviética ou Cuba, no caso brasileiro.