D. João VI estava correto quando tentou criar o Reino Unido permanente ligando Brasil, Portugal e estados ultramarinos. Seríamos hoje muito mais relevantes do que o Reino Unido, que já nem é mais unido, só reino.
Imaginemos nosso Reino Unido, com capital em Lisboa e no Rio de Janeiro, com uma cultura comum e economia integrada. No século XIX, teríamos dado um grande salto, com a Europa em guerra e nós crescendo nos estados ao sul do Equador, entrando na revolução industrial sem escravidão e com mão de obra própria, acrescida de imigração europeia e com mais israelitas.
A integração num só governo e um só povo racionalmente seria econômica e política, mas, de fato, seria pela identidade da população que, em poucas gerações, já não seria brasileira, angolana e nem portuguesa, mas dos dois mundos. Apesar da indiferença dos governos que ficaram nos discursos e nunca avançaram na integração, os povos são mais do que unidos. Prova atual é a significativa presença de brasileiros de todas as origens em Portugal e a ida das famílias portuguesas para o Brasil há 50 anos, quando da barbárie comunista no país . Mão dupla na acolhida como povos irmãos..
Esta naturalidade de identidades, de integração por parte de pessoas, sem vínculos que a justifiquem à luz da sociologia, é da alma.
Vejamos o caso de José Aparecido de Oliveira, que nos últimos anos de sua vida pública imaginou e dedicou-se à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), foi embaixador em Lisboa relevante, levou Portugal no coração e passou, inclusive, a dividir seu tempo nos últimos anos entre os dois países. Não era filho nem neto de portugueses. A identidade veio do fundo da alma.
O mesmo ocorreu com o sociólogo Gilberto Freyre, que esteve em Portugal muito jovem, no exílio de Estácio Coimbra, chefe político de Pernambuco nos primeiros anos do século XX, e passou a vida conectado com aquele país. Nos anos 1950, visitou todos estados ultramarinos, escreveu relevante livro e criou o luso-tropicalismo.
As cidades brasileiras, como o Rio de Janeiro para ficar na de maior importância, guarda o perfil português em suas casas antigas, hoje preservadas pelo Patrimônio Histórico, além das igrejas, assim como a cozinha brasileira mantém o bacalhau, a azeitona, o cozido e a doçaria, e os restaurantes mais conhecidos, desde os mais simples às referências de alto padrão, como o atual Gajos de Ouro, em Ipanema no Rio de Janeiro, sucessor do emblemático Antiquarius – da Pousada de Elvas, que foi para o Rio com o movimento comunista de 74. O que aconteceu também com o Aviz, levando seu maitre Ferramentas.
Há de se citar ainda os portugueses que marcaram época no alto empresariado no Brasil, como Lúcio Tomé Feteira, no imobiliário; o Barão de Saavedra, na banca; os Vinhas e Martins, com a cervejaria que lançou a primeira cerveja em lata brasileira, a Skol, da Central de Cervejas à época; a presença do Banco Borges & Irmão, do Conde da Covilhã e Afonso Pinto de Magalhães, no banco que levava seu nome; a família
Seabra – um deles casado com Amália Rodrigues –; e os Viscondes de Salreu, Antônio Almeida Braga, no imobiliário e nos seguros.
E os imigrantes que chegaram lá como Valentim Diniz, grupo Pão de Açúcar, os Amaral e os Sendas, em outras empresas de alimentação marcantes; Amandio Simões, na panificação; e que o filho Paulo criou a maior rede de venda de automóveis do Rio, o Grupo Abolição, com mais de dez marcas diferentes, conhecido como “a Santogal brasileira”, pela capitaridade de marcas representadas. Os sócios Amadeu Cunha e Celestino Pereira na restauração e depois na hotelaria portuguesa com os hotéis D Carlos, em mãos dos herdeiros.
O processo de globalização pode um dia fazer da integração maior uma realidade. E tem tudo para dar certo e favorecer os dois países irmanados na língua, na cultura, na religião e nas tradições.
Publicado em: Jornal O Diabo.pt 02/09/23