O presidente Lula da Silva é outro neste terceiro mandato. Há 20 anos, quando foi eleito pela primeira vez, muito mais jovem, optou por um governo de conciliação, preocupado em não assustar o capital e aumentar as dificuldades na economia e no social.
Agora, depois do desgaste dos desastrados mandatos de Dilma Rousseff e de ter estado preso por mais de um ano, em processos que conseguiu anular as sentenças aproveitando dos atritos de Bolsonaro com a Supremo Tribunal, voltou revanchista e com pressa em implementar políticas de esquerda.
A composição com os deputados de centro, distribuindo cargos no governo, não implica em moderar sua atuação. Precisa dos políticos de centro para governar, mas tem muito espaço para agir por decretos e medidas administrativas. E, se ocorrer desgaste na opinião pública, com crise na economia, a maioria desaparece logo.
Na política externa, ficou claro que quer distância das alianças tradicionais com os EUA e a União Europeia. As manifestações de simpatia pelos regimes de Maduro e Ortega, a preocupação em socorrer com recursos a Argentina e a dubiedade em relação a invasão da Ucrânia não dão margem à dúvida sobre a opção. No mais, a presença em sua assessoria mais próxima do embaixador aposentado Celso Amorim, que foi seu ministro nos mandatos anteriores, confirma o viés mais à esquerda. A próxima reunião dos BRICS, agora na África do Sul, vai mostrar a desenvoltura com que deve circular entre os aliados. No médio prazo, haverá consequências, pois, mesmo com governos mais à esquerda nos EUA e na União Europeia, alguns pontos são incontornáveis como a questão das ditaduras na América Latina e a invasão da Ucrânia.
Na economia, ganha tempo, mas, gastando muito mais do que arrecada, a dívida pública deve crescer, a inflação sair do controle já no final deste ano e a fuga de capitais se acentuar. Na teoria, o Brasil vive um bom momento econômico, que deve ser anulado pelo risco político acrescido de medidas fiscais hostis aos capitalistas. Tem crescido o número de ricos que deixam o país e levam o domicílio fiscal para fora, mesmo que ao preço de só poderem estar no país 179 dias por ano. Este mês já registrou queda nas vendas no varejo e estoques em alguns setores industriais, como o automotivo e eletrônicos. O turismo interno e os gastos das famílias são consequências da pandemia. Mas, apesar de projetos de liquidação de passivos de pessoas físicas, as famílias estão muito endividadas.
Componente de reflexos políticos na população são os casos de corrupção, que ainda não apareceram. Mas algumas nomeações, como nos fundos das estatais, apontam para o inevitável.
No campo interno, tem promovido uma sistemática campanha contra o ex-presidente Bolsonaro e seus próximos, usando do desenvolto ministro da Justiça, Flávio Dino, que fez carreira no Partido Comunista, e no Judiciário, especialmente, através do ministro Alexandre de Moraes. Lula insiste em atacar o seu antecessor em quase todos
os pronunciamentos, inclusive no exterior. Explora com habilidade o desgaste de Bolsonaro na sociedade em geral, embora tema pela sua popularidade, que ainda é significativa. Na verdade, assim como se elegeu por ser contra o desastrado concorrente, Bolsonaro, por sua vez, se alimenta de ser o anti-Lula e seu esquerdismo.
Os políticos experientes sabem que, com o acirramento ideológico já latente, surgirá certamente na direita um líder com substância que naturalmente vai ocupar o espaço até aqui de Bolsonaro. E Lula tem pressa no seu projeto, pois em 2026 pode não ter condições de concorrer à reeleição, por questões de saúde ou mesmo eleitorais. E a esquerda não possui um nome que possa disputar com o centro-direita, que tem muitas opções. O planejamento da esquerda inclui a intimidação de opositores, pressão na mídia e a sonhada divisão ou neutralização dos militares. Impor um regime forte para manter o Poder é prioridade , embora o tamanho do Brasil, na população, na economia, com uma burguesia numeriosa e poderosa , não será fácil um regime bolivariano como o desejado pela nova esquerda latino-americana .
O projeto de liderança continental inclui uma ousada operação de , quando puder nomear um presidente do Banco Central de sua confiança, aplicar recursos das reservas brasileiras , a quinta do mundo , para compra de papéis emitidos pelos aliados sem crédito como Argentina, Venezuela e Nicarágua . Vai encontrar forte reação.
Publicado em: Jornal Diabo.pt 05/08/23