A melhor tradição de integração entre brasileiros e portugueses não tem o toque dos governos. Até a criação da CPLP por Mario Soares e Itamar Franco, a relação entre eles não passava de troca de amabilidades e identidades gastronômicas.
O século XX foi marcado pela presença de uns e outros em momentos difíceis, como asilados políticos, brasileiros ilustres como o criador do integralismo brasileiro e notável intelectual Plínio Salgado, que ficou oito anos em Portugal, durante o Estado Novo de Vargas. O general Euclides Figueiredo, cujo filho João veio a ser presidente do Brasil, também buscou proteção em Lisboa. Juscelino Kubitscheck veio morar em Lisboa, onde inclusive casou sua filha Márcia.
Nos primeiros anos da República, vieram muitos, fugindo do Marechal Floriano, que gostava de mandar prender a oposição. Entre os que desembarcaram, o maior sociólogo, o escritor Gilberto Freyre. E, no período militar, também vieram para Lisboa figuras de destaque na oposição, como os jornalistas e deputados Hermano Alves, que foi correspondente do jornal Estado de S. Paulo, e Márcio Moreira Alves.
Agora, aportam empresários e investidores, receiosos de um futuro incerto após as eleições de outubro e o agravamento da economia. São empresas e empresários que se juntam a grupos portugueses, como o caso da Camargo Corrêa, gigante da engenharia e dos cimentos.
Portugal também teve no Brasil intelectuais, jornalistas, de oposição ao regime de Salazar. Entre eles: Victor Cunha Rego, Tomás Ribeiro Colaço e Paulo Duarte. Houve ainda empresários, como António Champalimaud, que morava no México, mas já tinha interesses no Brasil antes de ir para o Rio no 25 de abril.
No caso de Portugal, foi o 25 de abril que forçou a saída do país de quem nada tinha com política. Muitos empresários, ingênuos, até que gostaram da queda do regime que estava se abrindo de maneira gradual e segura, inclusive por enfrentar na África potências como a URSS e a China. E o pior, ante à indiferença dos grandes países ocidentais.
A “invasão” de portugueses não se limitou as autoridades do regime, como o presidente Américo Thomaz, o primeiro-ministro Marcello Caetano e os ministros Almirante Tenreiro , professor Baltazar Rebelo de Sousa, Rui Patrício e outros. E, mais tarde, ainda teve o presidente António Spínola.
Parte da inteligência e da competência portuguesa ,profissionais liberais, a classe média, foi obrigada a fugir do país, por causa de sequestros de bens, empresas, perseguições e prisões sem motivo. A prudência levou muitos a verdadeira fuga, comparável a décadas antes aos que fugiram do nazismo e do comunismo.
Nas letras jurídicas, grandes nomes também fugiram, como António Bustorff, Galvão Teles,Alberto Xavier, Assis de Almeida e Maria Teresa Lobo – esta, depois de obter a cidadania, foi juíza federal e diretora do Fórum do Rio de Janeiro. Muitos homens vitoriosos em suas profissões foram obrigados a um recomeço profissional, como o caso do “Rei da noite” no Algarve e Lisboa, José Manuel Trigo – atualmente, no SUD –, Fernando Ferramentas, do Aviz, o grupo da Pousada de Elvas, liderado pelo saudoso Carlos Perico,que criou o emblemático Antiquarius e hoje a rede Da Silva,além de médicos como António Chibante, que até hoje comanda um clínica de pneumologia de sucesso no Rio. É preciso que sejam lembrados os efeitos desse dia travestido de festa, mas de muito sofrimento e perdas.
A cúpula empresarial portuguesa praticamente foi para o Rio e São Paulo. Na lista: António Champalimaud, que fez de sua fábrica de cimento a maior do Brasil, com casa no Rio; os irmãos Manuel e Mário Vinhas, da Centralcer; os Mello, Espírito Santo, Pereira Coutinho, Carlos Alves.. Muitos ficaram até hoje, como Nuno Lopes Alves, associado ao grupo Alphaville, inovador no imobiliário no Brasil; José Castro; Conde Castro, que ganhou grande presença social em São Paulo, onde viveu até o fim da vida.
Entre os que ficaram, o neto do professor Baltazar e filho do presidente Marcelo Rebelo de Sousa, Nuno, que, inclusive, participa de entidades como a Câmara de Comércio.
Leonor Xavier, em seu delicioso “Casas Contadas” ,mostra a dimensão do tamanho e das angústias destas famílias ao viverem esta experiência de exilados. Sofrimento amenizado pela união e solidariedade de um lado e acolhida por outro. E lembrando que a normalidade só voltou com o rompimento de Mário Soares com Álvaro Cunhal. O que, aliás, pode vir a se repetir agora com seus sucessores nisso que chamam de “ geringonça “.
Enfim, esta “invasão” de brasileiros com capital, entre os grandes do Visa Gold, sem contar os de dupla cidadania, tem uma justificação histórica. Sem a perda da esperança do pior não acontecer…