A recente autorização no Vaticano para abertura do processo de beatificação de Dom Helder Câmara dividiu os meios católicos brasileiros. O polêmico religioso, que marcou mais de meio século da vida política do Brasil, foi usado durante todo o período militar pelas esquerdas brasileiras e internacionais para denunciar o regime na mídia mundial. Paris era onde, em viagens muito frequentes, D. Helder irradiava sua pregação, nem sempre com base em dados reais, contra os governos brasileiros. Andava esquecido e agora foi “ressuscitado” pelo papa, que já recebeu mais de uma vez Lula da Silva, sendo que a última depois do ex e futuro presidente sair da cadeia. Claro que o papa não acredita nos processos que condenaram Lula, como, aliás, não acredita nas mesmas suspeitas que cercam a vice-presidente argentina, Cristina Kirchner.
Homem de cultura e com grande facilidade de comunicação, muito jovem, aos 27 anos, recém-ordenado, Helder já era secretário de Educação no Ceará, seu estado natal. Logo a seguir, ingressou no movimento integralista criado pelo líder católico Plínio Salgado, que se opunha a presença e a influência comunista no Brasil dos anos 1930. O lema “Deus, Pátria e Família”, que se tornou comum nos movimentos conservadores e católicos no ocidente, foi cunhado pela primeira vez no século XX por Salgado.
Vindo para o Rio, a implantação por Getúlio Vargas do Estado Novo brasileiro enfraqueceu o Integralismo, o que levou D. Helder a abandonar suas fileiras. Ligou-se a D. Jaime Câmara, este sim com odores de santidade, que por 28 anos foi Arcebispo do Rio de Janeiro.
Em 1952, foi feito Bispo Auxiliar. Mostrou competência ao organizar o Congresso Eucarístico Internacional, no Rio, em 1955, quando ganhou maior projeção. Mas, ao criar projetos relevantes como Banco da Providência, de caráter de caridade, e passar a ocupar as TVs, ficou popular, viu sua vaidade ser aguçada e foi cooptado pela esquerda.
Recebeu no Rio e levou as favelas o Cardeal Montini, que veio a ser o primeiro papa de esquerda e de quem se tornou amigo. Foram importantes em sua “conversão” o cardeal francês Gerlier e o padre Lebret. No Brasil, o escritor católico, que também foi integralista, Alceu de Amoroso Lima, se tornou igualmente militante de esquerda. D Jaime teve de o afastar de sua Arquidiocese por não concordar com seu populismo.
O final dos anos 1960 marcou sua projeção no mundo católico de esquerda, lançando as sementes da Teologia da Libertação, movimento que no Brasil chegou a se envolver em guerrilhas urbanas, sendo conventos dominicanos, em São Paulo, transformados em refúgio de jovens procurados pelas autoridades por crimes de sequestro, assaltos a bancos e outros. Criou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que acabou por ser reconhecida pelo Vaticano, assim como a Conferência Episcopal Latino-americana (Celam), ambas até hoje sob forte influência da Igreja de esquerda.
A esquerda internacional lançou por quatro vezes a candidatura do religioso militante ao Prêmio Nobel da Paz. Diante do fracasso, criaram uma versão de que o regime militar brasileiro teria pressionado a Real Academia que escolhe os premiados.
O Vaticano, quando do encontro de Medellim foi alvo do bispo que propôs que a Igreja entregasse seu Museu do Vaticano a gestão da UNESCO.
Uma pesquisa na internet sobre d. Helder Câmara só encontra referências em função a sua oposição ao regime militar – 1964-1985 – e nada sobre evangelização, teologia e outros temas ligados à Igreja. A irreverência brasileira já faz circular a ironia de que o grande milagre de D. Helder pode ter sido a eleição de Lula da Silva, que esteve preso, condenado, com penas anuladas e ainda disputou e venceu eleições presidenciais.
Curioso é que, quando da morte do ilustre prelado, em 1999, os jornais noticiaram as manifestações de pesar e homenagens de políticos, quase todos do PT de Lula, como Fernando Haddad, que vem de disputar e perder a eleição em São Paulo, José Dirceu, os advogados esquerdistas Dalmo Dallari e José Gregori – este foi embaixador em Lisboa por indicação das esquerdas da USP, ligadas a d. Ruth Cardoso –, Luiza Erundina e outros. Pouco se sabe sobre a prática católica destes senhores.
Publicado em : Jornal Diabo.pt 01/12/22