“O país perdeu a inteligência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Toda a vida espiritual, intelectual, parada. O tédio invadiu todas as almas. A mocidade arrasta-se envelhecida das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A ruína econômica cresce, cresce, cresce.”
Não é meu este texto, caro leitor. É da primeira edição de FARPAS, publicação que reunia uma série de crônicas de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão. Os dois dos maiores escritores portugueses a escreveram em… 1871!!!
Infelizmente, Portugal e Brasil pouco evoluíram nestes 150 anos. Tivemos momentos de progresso, mas sempre com o peso de uma elite dirigente fraca. No passado, o que nos salvava eram os grandes homens, reis ou presidentes, ou figuras exemplares. No segundo Império, ao lado de Pedro II, tivemos, por exemplo, os notáveis Duque de Caxias, Marquês de Tamandaré, Marquês do Paraná, Barão de Mauá e Barão do Rio Branco.
Na República, o Brasil teve exemplos de mãos limpas e bons feitos na vida do brasileiro. Na Revolução de 30, com Getúlio Vargas, Francisco Campos, Oswaldo Aranha e Filinto Müller. Ainda contamos com o surgimento de grandes empresas brasileiras como as do Matarazzo, do Crespi e do Almeida Prado, em São Paulo; Ferreira Guimarães, Clemente Faria, Mário Franco, em Minas; Klabin, no Paraná; Macedo e Edson Queirós, no Ceará; Pessoa de Queirós e João Santos, em Pernambuco, Calmon, Mariani Norberto Odebrecht e Simões Filho, na Bahia. Não faltam por aí exemplos de gente que fez.
Portugal, em menor monta, claro, também fez diminuir a qualidade de seus homens públicos. No entanto, preservou sempre a Presidência da República, uma vez que esta foi ocupada por nomes respeitados, como António Spínola, Mário Soares, Cavaco Silva, Jorge Sampaio e Marcelo Rebelo de Souza. Mas falta no entorno figuras do padrão de admiração nacional, como João Franco e Serpa Pimentel, no tempo de D. Carlos; Duarte Pacheco, Leonardo Matias, Baltasar Rebelo de Sousa, Franco Nogueira e outros do salazarismo. Empresários de visão e compromisso cívico, como Alfredo Silva, Ricardo Espírito Santo, Manuel Queirós Pereira, Alfredo Alves, António Champalimaud e Jorge de Mello, já não existem.
Algo de inexplicável ocorre com os países que melhoram o grau democrático e pioram na representação popular. Nem grandes oradores temos mais. Intelectuais já não estão no Parlamento, muito menos grandes empresários.
Um novo modelo haverá de surgir, conciliando a qualidade pessoal à quantidade de votos. E com uma seleção mais severa, com o uso maior da meritocracia para os cargos executivos e menos Estado na vida econômica e no controle do cidadão.
A Justiça que criou a Lava-Jato, no Brasil, e a Operação Marques, em Portugal, precisa atentar para a celeridade. Processos muito demorados e com tantos recursos protelatórios desgastam o sonho do fim da impunidade. E o excessivo controle na vida do cidadão também não condiz com uma sociedade moderna e livre. É preciso aperfeiçoar a cobrança dos impostos e bisbilhotar menos a vida do contribuinte.