A intolerância raivosa das esquerdas não é uma novidade. Deste sempre maculou o mundo intelectual com militância agressiva e estrategicamente assentada em editoras, jornais e revistas. Uma espécie de maçonaria que prioriza seus membros na ocupação de espaços.
Assim é que o maior escritor brasileiro, Machado de Assis, fundador da Academia Brasileira de Letras, que, mais de um século de morto, vem ganhando espaços no mercado editorial norte-americano, não consegue se livrar de interpretações curiosas sobre sua personalidade, em todos os sentidos.
Machado era o que no Brasil se denomina de mestiço, ou mulato, pois a mãe era portuguesa, lavadeira, e o pai, filho de português com uma negra. Mas agora é apresentado, inclusive nos EUA, como “escritor negro”. Mas, no passado, alguns esquerdistas brasileiros o criticavam alegando que ele escondia a origem afrodescendente e procurava ascender na “sociedade branca”. Autodidata, aprendeu francês com um padeiro e latim com o padre. Alemão e inglês, sozinho. Não teve curso superior. Só texto.
Outra crítica, volta e meia requentada, é a de que Machado “era apolítico”, “indiferente aos problemas nacionais”. Realmente em sua obra e presença na imprensa nunca se colocou politicamente. Era funcionário público, burocrata, escritor, ensaísta e poeta. Em seus livros e na correspondência com outros intelectuais, não existe nenhuma referência a acontecimentos políticos de sua época. Contam que, em almoço em sua casa em Paris, Eça de Queiroz indagou aos irmãos Paulo e Eduardo Prado, seus amigos, sendo Eduardo fundador da Academia, o que o escritor brasileiro achava da Proclamação da República. Os dois, encabulados, acabaram por admitir que o amigo “não achava nada”. O que parece ser a verdade.
Alguns marxistas, como Octavio Brandão, cujo nome e obra desapareceram na poeira da história, chegaram a publicar livros cobrando militância política do escritor, que se propunha escrever e a reunir literatos. Na publicação, acusa o fundador da Academia de texto enfadonho e de não cumprir o dever do escritor, que é o de combater as desigualdades. Foi um pequeno burguês que serviu à burguesia, disse no livro.
A cobrança ideológica se faz presente de maneira grosseira, sem considerar inclusive que a vítima morreu em 1908, antes da matança bolchevista de 1917, na Rússia.
O autor, que pode ter tido no livro contra o maior nome da literatura brasileira o seu minuto de glória, analisa a obra de Machado no melhor estilo da intransigência comunista: “Historietas grotescas”, “Dom Casmurro é um livro monstruoso”, “foi a mais chata vítima do psicologismo burguês”.
O crítico Raimundo Magalhães Junior chegou a esboçar defesa lembrando que o não partidarismo e não posição de fundo ideológico não exclui defender grandes causas nacionais. Mas um dos motivos desta cobrança é que o movimento monárquico tem divulgado o pensamento dele em relação ao Imperador Pedro II em que afirmava que
“gosto dele, pois é honesto e ama o Brasil”. A historiografia da cidade do Rio de Janeiro deve muito ao seu relato, sua vida e seus personagens nas ruas da cidade. Datava sua carta de Cosme Velho, onde residia e até hoje um dos locais mais conhecidos e movimentados da cidade é o Largo do Machado, próximo de sua casa. Ocorre que o nome (Machado) não se deve a ele, mas a dois portugueses ali instalados, um vendedor de óleo e outro dono de um talho.
Os movimentos esquerdistas atuais não têm nada de original. Neste ponto, são conservadores e cultuam a tradição.
Publicado em: Jornal O Diabo 23/12/22