Uma releitura do significativo livro de Manuel Vinhas, o “Profissão Exilado”, editado no Brasil, em 1975, e depois em Portugal, chama a atenção para a importância de que depoimentos como este sejam do conhecimento das novas gerações, que acreditam que o movimento teve intenção democrática e não da entrega do país à esfera da então União Soviética.
O importante empresário português era um crítico do regime anterior, defendia uma integração de Angola ao país de forma mais efetiva, tendo com isso provocado reação do regime, que proibiu sua presença no território africano, mesmo sendo ele um dos mais relevantes empreendedores locais, não apenas nas cervejas, mas em outros projetos.
Manuel Vinhas sempre foi ligado aos meios artísticos e intelectuais, dono de invejável pinacoteca, mecenas, com seu amigo António Espírito Santo e Silva, do Teatro Raul Solnado, e tem sua posição explorada com muita habilidade pelas esquerdas que ainda procuram mascarar o movimento vermelho, dos cravos vermelhos, de democrático.
Seu minucioso relato de dois anos de exílio, onde morreu, no Brasil, dá conta de suas boas relações pessoais com o Almirante Américo Tomás, General António Spínola, Adriano Moreira e outras personalidades do país. Assim como sua mágoa com a violência da invasão de sua casa, do confisco de seus arquivos pessoais, do uso – e abuso – de seus vinhos, do terror imposto a seus filhos. Lembra das dificuldades dos que tiveram de viver fora de Portugal, sem recursos.
Curioso, Manuel teve a coragem de fazer o percurso Rio-Salvador de autocarro. A distância de 1600 km era feita em cerca de 30 horas. Foi sentado na primeira cadeira, gostou. Chegando disse: “viajei pelo Brasil e vi Angola”. Angola nunca saiu de seu pensamento. Depois, foi com um amigo, do Rio para São Paulo, conhecer a estrada e ver de perto uma avenida de indústrias de 400 km.
Ainda perplexo, escrevendo em cima dos acontecimentos, registra a ocupação da Herdade do Zambujal, que, com o irmão Mário, fez uma referência na agricultura, na criação de touros e para representar Portugal quando das festas Patiño – Schlumberger, com um evento com coisas portuguesas para os convidados internacionais. Circula que a festa teria sido sugerida por Salazar.
O diário de Manuel serve para lembrar a quantidade e qualidade dos portugueses que tiveram de deixar o país para não serem presos, o que alguns, como Manuel Ricardo Espírito Santo, não conseguiu evitar. Lembra do companheiro de Central de Cervejas, Renato Lima, mais Manuel Bulhosa, Manuel Queirós Pereira, Caetano Beirão da Veiga, Carlos Paço d’Arcos, Ricardo Martorell e Miguel Sttau Monteiro, entre outros.
Manuel lembra que os investimentos feitos no Brasil pelo grupo garantiram sobrevivência digna à família, irmão e primos que também estavam no Brasil.
Menos de meio século nos separam de Portugal ter chegado à beira do totalitarismo que teria durado mais 20 anos. Os jovens precisam saber através da
história que, na política, as teses mais bonitas nem sempre resultam em bons resultados. Frequentemente, pelo contrário.
No final do livro, bem-humorado, feliz em ter tido finalmente tempo para ler, ouvir música, privar com os filhos, Manuel diz: “Obrigado revolução. Revolução em que pus tanta esperança e me trouxe as maiores desilusões”.
PS: Sugiro foto do livro que tem na Internet e do próprio Manuel.
Publicado em: jornal Diabo 28/10/22