O escritor português Eça de Queiroz teve no intelectual brasileiro Eduardo Prado um amigo fraterno e dedicado, durante seus anos de Paris. Prado, de família com grande presença na agricultura brasileira da época e influência política em São Paulo, foi fundador da Academia Brasileira de Letras.
O brasileiro tinha um belo apartamento nas Arcadas da Rue de Rivoli, onde recebia o escritor e sua família nos finais de semana, assim como intelectuais brasileiros e portugueses. Era homem requintado e, no apartamento, de três andares, tinha um elevador para levar as travessas da cozinha para o piso da sala de jantar. Este detalhe serviu de base para a ideia de que Jacinto de Thormes, personagem de A Cidade e as Serras, de Eça, seria o paulista. Isso por causa do episódio do jantar no Champs Elysees, descrito na obra, em que um peixe a ser servido fica preso entre os pisos.
Os estudiosos portugueses sempre defenderam que a intimidade entre ambos e a personalidade sofisticada de Prado podem ter ajudado a formar o perfil e a vida do ilustre personagem. No entanto, este seria, na verdade, o próprio Eça. Realmente, ao longo do delicioso livro, não existe a menor referência ao Brasil e a brasileiros, o que seria até natural em autor tão lido na antiga colônia e colaborador de importantes jornais locais.
Ao lado do agradável convívio entre ambos, a vida rica de Eduardo Prado poderia fascinar o grande Eça, que lutou a vida inteira com orçamentos limitados. É que o sucesso literário na época não levava à fortuna, como hoje é comum.
O retorno às origens, ao ambiente familiar e da terra seria um projeto de Eça, não tivesse sido levado desta vida tão prematuramente. Mas deu tempo para deixar esse livro tão leve, gostoso de ler, dentro do modelo de um reencontro com a paz do interior, contrastando com a vida da cidade grande, de civilização mais elaborada, de um homem que morou em Liverpool e Paris.
Nenhum escritor mereceu tantos e tão variados livros sobre sua vida e obra literária. Além de ser presença de destaque nas biografias ou memórias de seus contemporâneos.
Definida a questão de quem inspirou o elegante personagem, Eça nem por isso deixará de ser minuciosamente estudado. Inclusive quanto ao Brasil, onde nunca esteve, mas tinha boa fonte de renda na colaboração para a Gazeta de Notícias do Rio, e alguma coisa em relação aos seus livros. Neste particular, aliás, ficava furioso com a pirataria em suas obras, especialmente em Pernambuco, nordeste brasileiro, onde chegou a pensar em agir judicialmente.
.Artigo Jornal O Diabo – Portugal/Lisboa 01/05/18