O grande intelectual brasileiro Nelson Rodrigues nos legou algumas expressões notáveis. Uma delas se refere à facilidade com que os brasileiros – e povos latinos, em geral – brigam com a realidade, com fatos inquestionáveis com grande naturalidade, até mesmo hipocrisia, o que ele denominava de “Óbvio Ululante”.
Sobre o momento que os latinos atravessam de crises na economia, com claras distorções, o óbvio ululante ganha força pela insistência com que políticos e a mídia, dominada pela esquerda e o liberalismo ingênuo, passam ao largo da verdade. E, assim, a maioria continua ignorando a verdade e os mais informados a tudo assistem em estado de perplexidade. Não é de se estranhar que votem mal.
Quem pode negar que a democracia no seu modelo atual, nos países latinos, vem acobertando à corrupção e abusos de poder, pela via da lentidão e do culto aos detalhes burocráticos dos judiciários? Apesar das revelações de operações como a Lava Jato, no Brasil, e a Marques, em Portugal, a impunidade ainda prevalece em função de uma legislação que favorece o autor de delitos. Os processos são intermináveis e as prisões relaxadas, mesmo diante de evidências insofismáveis.
Também parece óbvio ululante que os impostos estão cada vez maiores, porque o setor público emprega cada vez mais, paga cada vez mais e forma um núcleo de privilegiados face ao resto da população. Até o setor privado vive distorções incompatíveis com um mundo que se pretende mais justo. Os dirigentes ganham demais e os empregados e acionistas, de menos. Os diretores de uma empresa têm bons salários para praticarem uma boa gestão, mas, na verdade, acabam ganhando bônus por terem exercido bem suas funções, o que se supõe fosse uma obrigação.
Agora mesmo, na França, passou a vigorar um aumento de quase 6% na eletricidade. Mas os funcionários da EDF, em número de 66 mil, têm os maiores salários e vantagens do setor de energia da UE. E pagam apenas 10% do consumo particular de eletricidade. Coisas que não parecem compatíveis com uma sociedade justa. Mas o sindicato é forte e não permite um novo modelo de gestão no gigante francês presente em muitos países do mundo, com funcionários remunerados e com vantagens da alta nobreza do século XVIII. No extrior ganham mais do que diplomatas.
Verdadeira tragédia anunciada é o envolvimento estatal na gestão dos transportes de passageiros. Sejam eles rodoviários, ferroviários ou aéreos. Os prejuízos são muito maiores do que um simples subsídio. Não existe nem um exemplo conhecido de equilíbrio nestas contas. Pelo contrário, há absurdos, em que, mais uma vez a França é campeã com a SNCF, que possui uma quantidade de empregados de alta remuneração que beira a imoralidade. E todos, é claro, adoram uma greve, que serve de argumento para a irresponsabilidade dos governantes. Ninguém gosta de lembrar que, nos anos 1980, os controladores de voos americanos fizeram uma greve ilegal e o presidente Ronald Reagan passou o serviço para a Força Aérea. Nunca mais houve uma greve no setor.
O aumento da dívida pública se tornou um tema irrelevante na análise econômica, mesmo depois do problema grego. Itália, Brasil e Argentina são países com perigoso endividamento. Aliás, assim como os EUA, este com a vantagem de ser uma economia gigantesca e imprimir o dólar.
Infelizmente, o eleitor não pensa no futuro e, sim, nas próximas férias. Aceita e até estimula a demagogia eleitoral. E, assim, as crises vão se sucedendo, a um custo econômico e social cada vez maior.
O século XX viveu duas guerras, os horrores do nazismo, comunismo com dezenas de milhões de mortos na Rússia, China, Camboja e tantos outros países, mas teve líderes para que houvesse avanços. Foi a força de Reagan, Thatcher e João Paulo II, entre outros, que derrubou o Muro e fez ruir o comunismo que dominava e explorava todo o Leste Europeu. E sem dar um tiro.
Este século está pedindo uma “troika” dessas.
Aristóteles, amigo, como gosto de ler suas matérias. Abraço.