Os melhores anos nas relações do Brasil com Portugal foram aqueles vividos pelo estadista brasileiro Juscelino Kubitschek, o criador de Brasília. Durante e depois de seu mandato de presidente da República, em união admirável de dois países que se tornaram ali um caso singular na história universal, como ele próprio registra em visita a Portugal, em 1956: “Não temos apenas relações cordiais ou diplomáticas, mas relações de família. Somos um caso especial no mundo”.
Realmente, JK fez duas viagens como presidente eleito e, depois, com memorável acolhimento oficial e popular, nas comemorações Henriquinas. Nesta viagem, mais demorada, foi acompanhado do chanceler Horácio Lafer e grande comitiva, sendo embaixador Negrão de Lima, de grande prestígio em Lisboa. E foi no governo JK que o Congresso brasileiro aprovou direito de voto aos portugueses, projeto do deputado e ex-governador do Estado do Rio de Janeiro, Celso Peçanha. Na ocasião, eram cerca de 700 mil os portugueses que viviam no Brasil.
Uma curiosidade da visita de JK foi o pedido de Salazar para que o Brasil comprasse vinhos portugueses com taxa aduaneira privilegiada. O brasileiro explicou que não poderia discriminar outros países com os quais o Brasil mantinha boas relações comerciais e produziam vinho, como França e Itália. Salazar deu a solução, sugerindo que a tarifa mais baixa fosse destinada apenas “ao vinho verde que só Portugal produz”. Assim foi feito e daí a gloriosa carreira no mercado brasileiro do Mateus Rose e do Casal Garcia.
Em seu governo, o Brasil nunca deixou de registrar na ONU sua solidariedade a Portugal na questão dos seus territórios ultramarinos.
Ao deixar a Presidência da República, e eleito senador, JK viajou a Portugal para uma visita a cidades do interior, convidado pela Câmara de Belmonte para a inauguração da estátua de Pedro Álvares Cabral. Visitou, cercado de recepção popular carinhosa, Covilhã, Castelo Branco, Alpedrinha, Fundão e Guimarães. Nos arquivos de Salazar, consta recomendação especial para RTV dar cobertura à viagem.
Ao perder os direitos políticos, num erro do presidente Castelo Branco, eleito com seu voto, por pressão de Carlos Lacerda, escolheu Portugal para viver. E foi no país que, inclusive, casou sua filha Márcia, na Igreja Santa Isabel, em Lisboa.
Homem sem recursos pessoais, apesar de ter comandado as maiores obras públicas de Minas e do Brasil, JK encontrou na luso-brasileira Fernanda Pires da Silva, a mão amiga que lhe deu um escritório e um salário em empresa do Grupo Grão Pará, que havia fundado. Neste tempo, começou a escrever suas memórias, tendo como secretária a portuguesa Susette Teixeira, estenógrafa dos seus relatos, no tempo em que não existiam gravadores portáteis nem computadores de uso pessoal. Em carta à empresária portuguesa mais tarde, ao agradecer a acolhida, afirmou que, nos anos difíceis pelos quais passou, foi em Portugal que ele e sua família tiveram os únicos momentos de felicidade.
Ainda na Presidência, JK convidou o presidente Craveiro Lopes para visitar o Brasil, na mais calorosa visita de um Chefe de Estado estrangeiro ao país até hoje. Foi uma viagem marcante, com o maior desfile militar no Rio de Janeiro fora da data nacional, e o único na emblemática Avenida Atlântica, com 25 mil militares e apresentação de aviões da Força Aérea e ao largo, no mar, parte da esquadra da Marinha de Guerra. As autoridades assistiram ao desfile da varanda do Hotel Copacabana Palace. Comovente foram as bandeiras dos dois países em grande número de apartamentos das centenas de edifícios de Copacabana, incluindo o emblemático Chopin, obra do empresário Spitzman Jordan, morador em sua cobertura, com fortes laços com Portugal.
A ligação com Portugal e o valor que dava as identidades culturais, incluindo a presença da fé e da Igreja, fez com que JK convidasse para a missa de inauguração de Brasília o Patriarca de Lisboa Cardeal Cerejeira, amigo fraterno do primeiro-ministro Antônio Salazar. E deu honras de Chefe de Estado ao Prelado português em sua visita.
Talvez falte em Portugal a denominação de presidente Juscelino Kubitscheck a um importante logradouro público, como reconhecimento por esta vida de amor, solidariedade e gratidão a Portugal e aos portugueses.