Uma das referências da vida cultural brasileira no século passado foi Paulo Carneiro, membro da Academia Brasileira de Letras, fundador da Unesco e delegado permanente do Brasil na entidade por 21 anos. Antes, ali serviu como diplomata e pesquisador do Instituto Pasteur, onde esteve por oito anos, em duas vezes por quatro anos, cada. Passou, portanto, 29 de seus 81 anos vividos em Paris. Sua longevidade e destaque o fizeram referido em Paris como Mr. Unesco.
O pai, Mário Carneiro, foi estudioso da agricultura e chegou a ministro da Agricultura no primeiro governo de Getúlio Vargas, a cuja família Paulo ficou ligado a vida toda. Paulo, na mocidade, foi secretário de Agricultura de Pernambuco, onde se fez notar pela campanha em favor de melhores condições de vida para os trabalhadores no setor de açúcar. Para tal, foi buscar apoio no clero local.
Mas a marca maior de Paulo Carneiro é a herança paterna ao positivismo, no qual foi batizado no Templo da Humanidade do Rio de Janeiro. Abraçando o movimento que teve grande influência no Brasil nas primeiras décadas do século 19, como na França. Ao chegar a Paris, em 1927, encontrou a Casa de Augusto Comte, um apartamento na rue Monsieur-Le-Prince, no quarteirão Latino, abandonado e saqueado. Cuidou, então, de repor como quando da morte do filósofo em 1857. Com milhares de positivistas franceses, comprou o imóvel embaixo para colocar a biblioteca e cuidou da instituição até a sua morte. A casa chegou a ficar fechada, mas, hoje, está reaberta com intensa programação cultural, durante alguns dias da semana. Já o Templo da Humanidade, na rue de la Paysanne, sobrevive. Comte marcou a vida com grandezas de tal importância que sua estátua está na Place de la Sorbonne.
O positivismo teve relevância no Brasil, entre intelectuais e militares. O seu nome maior foi o General Benjamin Constant, que a história registra como o principal militante do movimento republicano. Mas intelectuais como Euclides da Cunha, Roquete Pinto e Ivan Lins – este cunhado de Paulo – atuavam na causa, como o Marechal Cândido Rondon.
Portugal, embora com menos presença, teve ligações com o positivismo não são no seu nome maior, Teófilo Braga, mas também pela influência no pensamento de Alexandre Herculano e de Fontes Pereira de Melo. Oliveira Martins, ao abordar o positivismo português, estanhou que, embora fosse uma filosofia, não tinha filósofos entre seus seguidores, mas sim engenheiros, médicos, economistas e militares. A origem do pensamento positivista em Portugal estaria nas escolas politécnicas do Porto e de Lisboa. Comte acreditava na ciência como mola para o progresso da humanidade.
Este homem notável, admirado e reverenciado em vida pelo Brasil, publicou apenas um livro que reunia artigos, ensaios científicos e biografias resumidas. Sua oratória, em francês como em português, era elogiada. Entre seus amigos e admiradores, estava o Papa João XXIII, com quem conviveu quando o Cardeal era Núncio Apostólico em Paris, que se referia, quando com brasileiros, a admiração pelo grande orador.
Uma vida que deveria ser mais conhecida. Entre outros fatos, os 14 meses em que Paulo esteve preso durante a II Guerra, com o embaixador Luís Sousa Dantas, na Alemanha, sendo liberto em troca de prisioneiros intermediada por Portugal.
Figurar na galeria dos grandes intelectuais nem sempre exige obra publicada, pois o ativismo por vezes é mais forte, como na sua longa presença no braço para a cultura e a educação da ONU, a preservação da vida e obra de um filósofo como Comte e o convívio com o que existia de melhor no mundo daqueles anos. Um personagem inesquecível!
Publicado em: Diabo.pt 02/12/23