As pessoas que lidam com a cultura, a literatura, deveriam propor uma política mundial, no mundo ocidental, é claro, de preservar frases, pensamentos, opiniões de homens notáveis. Serão sempre base para estudos de época, avaliação histórica, defesa do pluralismo. Certos ou errados, equivocados, foram relevantes no campo da inteligência em seu tempo.
Assim foi, entre outros, com o jornalista e escritor brasileiro Paulo Francis, que durante mais de 20 anos mandou para a imprensa brasileira sua cultura, sentido singular de observador com opinião sobre tudo e todos a partir de Nova York..
Há anos foi publicada uma coleção de conceitos seus, em forma de dicionário, a maioria de domínio público, publicados em jornais como O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo.
Leitor voraz, sabia tudo. Tinha implicâncias e admirações. Entre as maiores admiraçoes , Hannah Arendt. Ironizava a arte moderna ao afirmar que “era moderna, mas ia completar cem anos”. Ao morrer a mídia digital ensaiava seus primeiros passos e ele, defensor do jornal-papel, dizia que “o bafo quente de um jornal de manhã cedo faz maravilhas pela moral pública”.
Marx escrevendo sobre dinheiro é como padre falando de sexo, outra de suas frases, “todo otimista é um mal informado” e pessimista assumido dizia que “talvez o Brasil tenha acabado e nós não percebemos”.
Implicava com Brasília e sugeria a volta da capital para o Rio e a transformação da capital “numa Las Vegas tropical”. Com origem na esquerda, fundador do Pasquim, jornal emblemático, cobrava qualidade aos jornalistas e dizia que uma boa escola de jornalismo deveria incluir a leitura de toda obra de Eça de Queirós e Machado de Assis. Tornou-se liberal, convertido pelo que sentiu nos EUA. Dizia que Roberto Campos era o maior intelectual do Brasil. E Carlos Lacerda, o único político brilhante de seu tempo. E sentenciou que o capitalismo é incorrigível e o comunismo intolerável.
Gostava de provocar a esquerda ao dizer que o que faz a riqueza das nações é a ganância do empresário, que, tendo lucro, busca mais, investe mais, gera mais empregos, paga mais impostos. Nada destrói mais a pregação comunista do que deixar um marxista falar, completava.
Esta metralhadora giratória marcou época e a vida de Francis. O enfarte que o matou foi atribuído às preocupações com o processo aberto em Nova York, de onde escrevia, pela Petrobras, que acusava de ser um covil de ladrões. Deus não lhe permitiu viver para assistir à Lava-Jato provar mais de três mil milhões de dólares desviados para negócios escusos. E a empresa se tornar a mais endividada do mundo.
Quando a esquerda brasileira saudava os 14 anos de Mitterrand em França, o polêmico Francis lembrava os anos do socialista francês em Vichy, sendo até condecorado. Virou socialista quando os ventos mudaram, lembrava ele ao resumir que, ao fim de tantos anos, a França continuava líder mundial em duas coisas: moda feminina e cozinha. Em contraste, divulgava que Thatcher gerou em seus anos um milhão e meio de proprietários no Reino Unido.
Um gênio, como poucos outros, que não pode nem deve ser esquecido. Inclusive em seus sonhos, como a paixão pelo teatro do qual foi ator e autor, que viu viver anos dourados nas décadas de 50 e 60 e desaparecer, restrito nos anos 90 a Nova York e Londres, segundo ele.
Paulo Francis morreu em 1997.
Publicado em: jornal Diabo.pt 26/08/23