Não tendo deixado descendência, o nome do grande intelectual e diplomata brasileiro Oliveira Lima, historiador fundamental, acabou sendo pouco lembrado nos dois lados do Atlântico. Uma injustificável omissão.
Oliveira Lima era filho de português, estabelecido com sucesso como comerciante no Recife, mas veio para Portugal aos seis anos e ficou por 17, até terminar todos os estudos. Em 1890, voltou ao Brasil para regressar à Lisboa já diplomata no ano seguinte.. Começou uma vida intelectual intensa e se ligou logo a Oliveira Martins, o fundador da moderna historiografia portuguesa, seu professor em Lisboa, que, como era comum em sua época, morreu antes aos 50 anos – 49, para ser mais preciso –, faixa de idade que roubou da língua portuguesa Eça de Queirós, em Portugal, e Eduardo Prado, no Brasil.
Como diplomata, serviu além de Portugal, na Suécia, Bélgica, Venezuela e Estados Unidos, para onde regressou para viver seus últimos dias e doar à Universidade Católica da América, em Washington, sua biblioteca luso-brasileira de 40 mil livros.
Oliveira Lima é referência na história do Brasil nas décadas seguintes à chegada da Corte Portuguesa ao Brasil. Tem livro sobre D. João VI no Brasil, que talvez seja a primeira obra a resgatar a memória do rei-estadista que sofreu maldosa campanha para distorcer seu papel histórico, sendo referido pelo autor como o fundador do Brasil-nação. É pouco citado, mas interessantíssimo, pois trata especificamente das diferenças entre os filhos de João VI, Pedro e Miguel. Fundador da Academia Brasileira de Letras, era homem de opinião, temperamento difícil, com relações tumultuadas com os grandes de seu tempo, como o Barão do Rio Branco, com quem conviveu na vida cultural e diplomática. O barão não o tratou bem como ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil por 12 anos da carreira de Oliveira Lima. A má vontade de Rio Branco com ele chegou a ponto de merecer protestos de Rui Barbosa, influente brasileiro no início daquele século. Mas mereceu um belo discurso acadêmico quando da morte do grande diplomata.
Homem polêmico, não perdia oportunidade de fazer ironias, como as referentes a Joaquim Nabuco, outro ilustre pernambucano contemporâneo, que, sendo abolicionista histórico, teve os estudos pagos na Europa com os recursos das propriedades do pai, com centenas de escravos. Mesmo assim, sendo figura humana apreciada, ficou ligado aos dois diplomatas e intelectuais, como ele, dos quais nem sempre esteve de acordo. Sua dimensão na época é confirmada pelas conferências-aulas dadas em instituições do prestígio até hoje de Haward, Columbia, Stanford, nos EUA.
No convívio com Oliveira Martins, Lima encontrou a vocação para a militância do luso-brasileirismo – se dizia um luso-pernambucano –, tese que iria ser aprofundada décadas depois com seu discípulo e amigo também pernambucano Gilberto Freyre, que com ele forma a dupla de militância e obra nos dois lados do Atlântico. Freire sempre deu valor a obra relevante de Oliveira Lima
Curioso é que foi um gourmet e gourmand – tinha mais de 120 quilos – e levava para todos os postos uma cozinheira pernambucana, pois dizia que não abandonar a cozinha da sua terra era uma forma de estar no Brasil. O que não o impedia de apreciar bons restaurantes, que começavam a surgir na Europa, em companhia de Eduardo Prado, quando em Paris, cuja semelhança com Jacinto de Thormes gostava de comentar.
Quem gosta de história de Portugal e do Brasil não pode deixar de buscar livros desses dois notáveis ‘Oliveiras’, o Lima e o Martins. Aliás, o sobrenome Oliveira poderia entrar em nossos dicionários como sinônimo de qualidade…
Publicado em: jornal Diabo.pt 12/08/23