O voto direto para as democracias presidencialistas carrega o problema de que as promessas eleitorais são do candidato e não da coligação de partidos. No caso da escolha de um nome, é ele quem responde pelos compromissos assumidos em campanha, enquanto nas coligações o líder pode ser substituído na hora de formar os governos.
Lula da Silva vive o drama de conciliar o possível, o razoável com as obrigações que tem com as mais variadas correntes do pensamento de esquerda. Apesar dos escândalos em seus governos e de Dilma, de muitos presos, condenados e mil milhões de dólares devolvidos nas chamadas “delações premiadas” – o indiciado ganha liberdade em troca –, teve muito apoio de empresários e economistas que se denominam “progressistas”. A maioria veio do governo de Fernando Henrique, que, com o vice de Lula, Geraldo Alkmin, já acusou o presidente eleito de ladrão.
Os regimes bolivarianos na América do Sul em pouco tempo entraram em crise econômica e política. Querem se agarrar ao Brasil, que possui mais de 350 mil milhões de dólares de reservas. Mas como emprestar a Cuba, Venezuela, Nicarágua, que já devem ao Brasil desde os tempos dos governos anteriores do PT e nunca pagaram? Colômbia e Chile também estão com problemas como consequência de um ambiente pouco receptivo ao investimento, que afeta o emprego.
Outra dificuldade será conciliar os “movimentos sociais”, como Movimento dos Sem-terra (MST) com o agronegócio brasileiro, o terceiro em produção e volume de recursos no mundo. O MST tem tradição de invadir propriedades e destruir centros de pesquisas. E há ainda os que desejam limitar os direitos do proprietário de despejar inquilinos inadimplentes, o que pode levar crise ao imobiliário entre os maiores empregadores do país.
Neste mundo competitivo pós-pandemia, o capital quer paz e o trabalhador emprego. Os governos petistas sempre foram tolerantes com greves, que dificultam a geração de emprego e renda em qualquer lugar do mundo. A pujança asiática e a desindustrialização na União Europeia e EUA se devem muito ao sindicalismo selvagem e irracional. O Brasil gerou empregos em quatro anos sem greves.
Lula da Silva já afirmou que precisa romper o teto de gastos acima do orçamento do Estado e admite usar das reservas cambiais para atender a gastos com o social. O que pensará disso os economistas do mercado financeiro que o apoiaram, como Armínio Fraga – ex-Banco Central com FHC –, Pérsio Arida, de um dos maiores fundos de investimento, André Lara Resende e os do Grupo Itaú? E maior tributação na alta renda e nos dividendos.
Entre os industriais, que não foram poucos, a alta de impostos não deve ser bem recebida.
A mídia que apoiou Lula pode sofrer restrições com o anunciado “controle da mídia”, incluindo a digital “para evitar fake News”, o que mostra mais um viés bolivariano do que aperfeiçoamento democrático.
Nas relações exteriores, além da intimidade com os bolivarianos, Lula terá de conviver com entidades como o Hamas, movimento islamista que desde o primeiro momento manifestou sua alegria com a vitória. E a comunidade israelita no Brasil é grande, influente, presente com muita relevância no setor produtivo. O seu ex-ministro Celso Amorim é um marxista assumido e entusiasta do projeto do Brasil liderar os bolivarianos, será o assessor internacional com gabinete no Palácio do Planalto.
Diante da dificuldade de conciliar tantos interesses e tendências, pode fazer uma opção perigosa e enfrentar uma permanente e imprevisível turbulência institucional.
Ao assumir, no dia 1º de janeiro, Lula terá de começar a cuidar de conter seus radicais para terminar o mandato de quatro anos em paz..
O perigo não está nele, que é um hábil político, mas sim nos companheiros radicais e ressentidos pelas condenações e alguns pelas grandes somas devolvidas.
Publicado em: Jornal Diabo.Portugal