A importância de Jaime Cortesão na cultura e na política portuguesas no século passado acabou por encobrir a relevância de suas duas filhas, Judith e Saudade, como personalidades da vida cultural de Portugal e do Brasil.
Jaime, ao optar pelo autoexílio, viveu em muitos países, sendo que oito anos no Brasil. Suas filhas acabaram ligadas ao país com presença importante.
Saudade foi casada por 28 anos com o poeta e escritor mineiro Murilo Mendes, tendo o acompanhado em missão oficial na Itália, onde acabaram por se fixar. Saudade viveu no Brasil apenas os primeiros oito anos de casada, teve pouca frequência no país, embora vivesse intensamente a vida cultural. Murilo morreu em Lisboa, na casa do sogro.
Em 1993, Saudade – morta em 2010, em Lisboa – vendeu à Universidade de Juiz de Fora o arquivo de Murilo Mendes, guardando em seu apartamento algumas obras de sentido afetivo para entrega após a sua morte. Assim como muitos retratos do casal pintados com dedicatória. Entretanto, os sobrinhos não entregaram o material, o que provocou uma demanda judicial.
O acervo não é pouca coisa, pois contém originais assinados por Magritte, o grande surrealista belga e amigo de Murilo, assim como de Ismael Nery e Portinari, artistas de valor no mercado brasileiro. Nove trabalhos assinados por Vieira da Silva e Arpad Szenes estão já em Juiz de Fora.
Judith é que se tornou uma brasileira, desenvolvendo no país intensa atividade intelectual, como ambientalista e educadora. Quando da Rio 92, montou uma equipe para criar a agenda cultural paralela ao encontro, reunindo experts da sociedade, como Teodoro Machado, entre outros. Com estes companheiros, foi notável na defesa da Mata Atlântica, como fundadora do movimento de preservação.
Judith deixou seu arquivo pessoal, riquíssimo como o da irmã, para a Universidade do Rio Grande do Sul, onde foi professora relevante e trabalhou nos mais importantes projetos ambientais de sua época. Judith também se casou com um intelectual de importância, o filósofo e poeta portugues Agostinho da Silva. Mas ela também foi notável nas atividades, escreveu quase 20 livros, coordenou dezenas de projetos sobre a Antarctica, que visitou em 1982 integrando a primeira presença oficial brasileira.
Judith, ao contrário da irmã, viveu muitos anos no Brasil, tendo morrido em Genebra, onde morava um de seus filhos. Aliás teve quatro filhos naturais e dois adotados,Tinha formação em Medicina, como o pai.
Jaime Cortesão produziu muito no Brasil, tornou-se um dos maiores historiadores brasileiros, publicou muitos livros e foi professor do Instituto Rio Branco, de formação de diplomatas. Uma presença, como a de Tomás Ribeiro Colaço, atuante e respeitada. É muito citado como da oposição a Salazar pela sua expressão intelectual e a repercussão de seu longo exílio. Mas foi mais um autoexílio, pois, quando quis, voltou e morreu, em 1960, em pleno regime em Lisboa.
Publicado em : Jornal Diabo.pt 13/10/22