Volta e meia a farsa envolvendo o Aleijadinho, um hipotético artista, entalhador, mulato, filho de escrava, ocupa espaço nos meios pseudointelectuais de Minas Gerais, agora com a apelação de exaltar alguém da “raça negra”, que não precisa desta invenção para marcar a arte e a cultura brasileira. Mesmo nas cidades históricas de Minas Gerais, com suas igrejas, são muitos os artesãos conhecidos, reconhecidos e respeitados da época e que eram negros ou mestiços. Além da literatura, da música, da política e do empreendedorismo.
Os estrangeiros que se interessam pelo assunto logo se afastam dos defensores da farsa, ao constatarem o simples e esclarecedor detalhe de que os ilustres europeus que viveram na região do ouro e do ferro na época, autores respeitados e de obra detalhista nos costumes, na economia, nas igrejas, na religiosidade , na composição da população nunca terem feito a mais leve referência à existência de alguém que, deformado ou não, fosse o autor de construções e obras de arte moldadas na Europa, especialmente em Portugal.
Autores de reconhecimento na Europa, com trabalhos publicados e referidos em quase todos os estudos sobre o Brasil do ciclo do ouro no final do século XVIII e início do XIX, nunca mencionaram o tal “artesão genial”.
Auguste de Saint-Hilaire, por exemplo, passou oito anos no Brasil, sendo que a maior parte em Minas. Veio com o Duque do Luxemburgo, enviado especial de Luís XVIII para restabelecer as relações da França com Portugal, em 1816, e obter a devolução da Guiana Francesa invadida por D. João VI tão logo chegou ao Brasil. Saint-Hilaire escreveu vários livros sobre a flora e a fauna brasileira e um volume quase todo dedicado a Minas, aos minérios, ao cotidiano da população e das relações que teve com a elite, incluindo estrangeiros, como o Barão Eschwege, contratado pela Coroa para estudos do aproveitamento dos minerais a serem explorados e que abundavam na região. Saint-Hilaire, inclusive, ficou hospedado em casa do barão, em Ouro Preto, então capital da província de Minas Gerais.
Eschwege, que voltou para a Europa com D. João VI, era homem de cultura e conviveu com Goethe e outros grandes nomes da época, publicou livros e nem de leve se referiu a este fantasioso fenômeno artístico, criação folclórica de um grupo de desocupados ou espertos colecionadores.
Outra figura relevante, também barão, nascido alemão e de nacionalidade russa, foi Langsdorff, membro da missão russa que passou oito anos percorrendo o Brasil no levantamento também da flora, fauna e recursos minerais. Viveu dois anos em Minas, onde foi o introdutor de técnicas modernas na transformação do minério de ferro em Congonhas do Campo, nos anos de 1824 e 1825, e nunca fez menção ao “autor” dos profetas de sua principal igreja, visivelmente baseada em igreja de Braga.
Saint-Hilaire, apaixonado pelo Brasil, em sua obra em muitos volumes, faz uma severa crítica dos costumes da época, se referindo nominalmente a padres, bispos,
proprietários rurais que conheceu em sua longa viagem, registrando a moral ignorada no trato dos assuntos públicos como privados. Publica levantamento minucioso da formação étnica da população no início daquele século XIX, informado que, em Minas, um quinto dos negros já era homens livres, muitos tendo comprado sua liberdade com o ouro que conseguiam desviar nos garimpos em que trabalhavam. O autor aborda a cultura local, o teatro, a música. E nada sobre o “fantástico artista”, que teria circulado na cidade carregado numa cadeira por dois escravos.
A farsa envolvendo esse mito se repete de certa maneira no momento em que o Brasil vive, em que o envolvimento do ex-presidente Lula da Silva em casos de corrupção em seus dois mandatos de presidente, em processos e julgamentos que o país acompanhou pela televisão, com escândalos, condenações, devolução de somas inacreditáveis de dinheiro no país e trazidos do exterior, da súbita prosperidade da família Lula e de seus companheiros de partido. Tudo isso é jogado debaixo do tapete, não se fala mais no assunto e, em poucos dias, o país votará em candidato exaltado pela intelectualidade de esquerda como se nada do que se soube e viu fosse verdade.
A fabricação de uma fraude, de certa forma, se repete!
Publucado em : Jornal Diabo PT – 11/09/22