Quem acompanhou o processo político português, do Estado Novo até o 25 de abril, sabe muito bem que a oposição ao regime que teve o apoio de parte da sociedade era composta por liberais. E não por sociais-democratas, marxistas ou comunistas.
Os comunistas é que, com habilidade e má-fé, teceram a conspiração entre os militares, com o discurso liberal, e sem nenhuma alusão a ideias comunistas. A face pública do movimento, formada por ilustres e ingênuos democratas reunidos no semanário Expresso, que, além de Francisco Balsemão, tinha nomes da projeção de Sá Carneiro, Magalhães Mota, Manoel Homem de Mello e que, na primeira junta, veio a se somar o Comandante Galvão de Melo, oficial respeitado e liberal. Moscou ainda teve o cuidado de apoiar a indicação do General António Spínola, homem de grande prestígio popular e acima de qualquer suspeita ideológica. A este grupo, que estava em Portugal, vieram se juntar socialistas democratas, como Mário Soares. Apenas, naquela altura, não percebiam que os comunistas estavam no comando das ações militares e, logo, nas ações de ocupação de empresas, prisões de empresários, invasão de propriedades urbanas e rurais.
Muito antes, nos anos 30, a oposição respeitada era a de intelectuais democratas como Jaime Cortesão, grande jornalista, escritor, formado em medicina e que, nos anos 40, foi viver no Brasil. Outro notável, que também viveu no Rio de Janeiro, foi Thomaz Ribeiro Colaço, fundador da revista literária Fradique, amigo de Fernando Pessoa. Colaço era ainda bom escritor e poeta e sua mulher, Madeleine, marcou época no Brasil ao tecer e vender tapetes tipo Arraiolos, a muito bom preço. Foi, depois, seguida pela filha Concessão.
Jaime Cortesão foi homem severo com ele mesmo na austeridade. Em 1940, por ocasião da Expo do Duplo Centenário, o delegado especial do Brasil para as comemorações foi o historiador mineiro Augusto de Lima Júnior, que aproveitou os dois anos de Lisboa para escrever seu principal livro A Capitania de Minas Gerais. Convidou Jaime Cortesão para prefaciar a obra, tendo mesmo declinado do convite por não conhecer ainda Minas Gerais. Na segunda das muitas edições do livro, aceitou escrever depois de uma viagem por Minas, acompanhado pelo autor e amigos intelectuais, como Ribeiro Couto e o editor Souza Pinto.
Cortesão viu com emoção nos sobrados, em suas janelas, nas ruas e igrejas a presença integral de Portugal no Brasil. É textual afirmar que “Ouro Preto fundiu em si com perfeita harmonia, para maior beleza da cidade, a severidade transmontana de Vila Real, a opulência religiosa de Braga e a majestade senhoril de Coimbra”.
No mesmo texto, observa que o sentimento de Lima Júnior foi igual ao seu ao visitar todo o interior de Portugal, encontrando a sua Minas a cada momento. Jaime Cortesão constatou ainda a identidade do barroco português com o brasileiro, sendo, portanto, uma expressão da arte brasileira. Cortesão, que viveu muitos anos no Brasil, embora opositor do Estado Novo, nunca foi homem de esquerda. Assim como o pensador António Sérgio, que também teve passagem pelo Brasil como exilado. Apesar de estudioso da obra de Marx, nunca se aceitou como marxista.
A conclusão mais acertada, e que serve de alerta aos que acreditam em alianças à esquerda, é que o objetivo comunista é a tomada do poder para a ditadura do proletariado. Mas sempre negando, como, aliás, fez Fidel Castro, que anunciou sua opção comunista dois anos após tomar o poder em nome da democracia.
Os democratas, muitos capitalistas, em Portugal, pagaram caro pela ingenuidade. No Brasil, a burguesia foi mais realaista e apoiou os militares em 64 e votou num militar em 2018.